UNIDADE 1 – A ENTRADA NO BUNKER
SUB UNIDADE 1.1 – A CAMPAINHA INSISTENTE
UM QUARTO ESCURO. LÉO DEITADA NO CHÃO. O TELEFONE TOCA E A
SECRETÁRIA ELETRÔNICA ATENDE. OUVIMOS A MENSAGEM GRAVADA NA
SECRETÁRIA ELETRÔNICA.
VOZ DE LÉO EM OFF – Oi. Não posso atender agora então deixe o seu recado após o
sinal ou tente o celular.
VOZ DE LIZ EM OFF – Eu sei que você está em casa. Estou tentando entrar mas a porta
está trancada. Eu vou arrombar a porta, já chamei o chaveiro.
CAMPAINHA INSISTE NOVAMENTE.
LÉO – (NUM GEMIDO BEM BAIXO) Que inferno!
SUBUNIDADE 1.2 – DESESPERO FRENÉTICO E PUTREFAÇÃO
LIZ MEXE NA MAÇANETA DA PORTA QUE É ARROMBADA. A CLARIDADE
VINDA DO CORREDOR NOS FAZ PERCEBER O QUARTO TODO DESARRUMADO
E SUJO. LIZ ENTRA E TEM ÂNSIA DE VÔMITO COM O CHEIRO. VÊ LÉO, NA
CAMA, TODA SUJA. PARECE MORTA. LIZ CORRE ATÉ ELA ASSUSTADA.
LIZ – Você está bem? Responde! Meu Deus, o que aconteceu?
NUM DESESPERO FRENÉTICO PERCEBE QUE HÁ PULSO. CONFERE A
RESPIRAÇÃO. FICA ALIVIADA. ACENDE A LUZ. SÓ ENTÃO OLHA AO REDOR E
REPARA NAS GARRAFAS DE BEBIDA DESTILADA E OS POTES DE
COMPRIMIDO ESPALHADOS PELA CASA.
LIZ – (DÁ TAPAS NO ROSTO DE LÉO TENTANDO ANIMÁ-LA) Acorda! Pelo amor
de Deus! O que eu faço?
UNIDADE 2 – PRIMEIROS SOCORROS
LÉO – (ACORDA SONOLENTA) Que isso ... que violência é essa?
LIZ – O que está acontecendo aqui?
LÉO – Nada. Está tudo bem. Eu só quero dormir um pouco, não posso mais dormir?
LIZ – Você está drogada?
LÉO VOLTA A DORMIR.
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LIZ – Ei, acorda! Meu bem, estou ficando preocupada com você!
LÉO – Socorro! Me deixa dormir... me deixa, estou cansada, só isso, me deixa... O que
você faz aqui? Vai pra sua casa, vai...
LIZ – Eu não estou entendendo nada, me ligaram do seu trabalho perguntando por você,
dizendo que há uma semana você não vai trabalhar. Não avisou nada... Ninguém sabia de
você.
LÉO – (TENTANDO SE RECOMPOR E SEGURANDO A ONDA) Tive uns problemas
lá. Nada demais. Andei me estressando com o... Resolvi tirar umas férias. Normal, nada de
mais.
LIZ – Por que não avisou? Por que você sumiu? Deixou todo mundo preocupado.
LÉO – Não sei, depois eu resolvo isso, está bem? Ai que dor de cabeça!
LIZ – Você está doente? Está passando mal?
LÉO – Estou meio de ressaca... As coisas não andam nada fáceis.
LIZ – Por que você não me ligou? Quer que eu chame um médico?
LÉO – Não quero médico! Eu só estou cansada e quero dormir.
LIZ – Essa sujeira... Você vomitou? Está enjoada?
LÉO – Estou enjoada. Estou de ressaca, já falei.
UNIDADE 3 – VEM!
SUB UNIDADE 3.1 – VEM COMIGO!
LIZ – Como você está magra!
LÉO – Estou bonita?
LIZ – Você está muito magra.
LÉO – Emagreci 15 kilos.
LIZ – Parece doente.
LÉO – Ih, eu quero dormir, me deixa dormir um pouco. Estou cansada. Estou tão cansada...
LIZ – Vem, sai dessa cama... está tudo imundo aqui... você não pode ficar assim nessa
sujeira toda. Vem, eu ajudo você.
LÉO – Ai, você fala demais... Espera aí.
LIZ – Vem, querida, vem tomar um banho. Depois se quiser, você volta a dormir, mas
vem se limpar primeiro. Vem.
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LÉO – Calma, que eu estou toda dolorida. (VAI SE LEVANTAR, NÓS NÃO VEMOS O
SEU CORPO NU, ELA SE ENVOLVE NO LENÇOL TODO SUJO) Merda! Que é isso?
Não estou passando nada bem. Não precisa me segurar, por favor. Estou bem, posso ir
sozinha.(TENTA SE LEVANTAR, MAS CAI)
LIZ – Léo, Léo!
LÉO – (ACORDA TOTALMENTE CONFUSA) Caralho...o cara no chuveiro.... eu falei...
o porteiro... (ASSUSTADA) Cadê os meus 50 reais?... acho que eu preciso ir ao banheiro...
Liz!... eu amo tanto você! (CHORA)
LIZ – Vem no banheiro. Eu te ajudo.
SUB UNIDADE 3.2 – REVELANDO O CORPO
LIZ AMPARA A IRMÃ ATÉ O BANHEIRO.
SUB UNIDADE 3.3 – A GENTE FAZIA TEATRO.
LIZ – Você precisa tomar um banho. Para curar essa ressaca. Acha que pode ficar aqui
sentada um minuto?
LÉO – Estou ótima ...agora que você....
LIZ – Esse chuveiro não funciona?
LÉO – Oi?
LIZ – Fique aí sentada, vou encher essa banheira. E eu vou trocar os lençóis da cama.
Fique aqui sentada senão você pode cair. Estou te achando muito...
LÉO – Sim. Senhora sargento! (SE LEVANTA E FAZ UM GESTO DE CONTINÊNCIA)
Você lembra que quando a gente era pequenina a gente fazia teatro? Você lembra que a
gente escreveu uma história de uma... eu e você... sabe? ... Onde foi? Não foi?
LIZ – Vem, tenta me ajudar... Entra nessa banheira, vem, por favor, que eu preciso limpar
você.
LÉO – Tudo que você quiser! Ah, Liz, você é tão boa pra mim!
LIZ – Fica aí, sim, querida?
UNIDADE 4 – MINHA IRMÃ PRECISA DE MIM
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LIZ VAI ATÉ A SALA. ESPANTADA E SEM SABER O QUE FAZER, FICA UM
TEMPO PARADA, OLHANDO AO REDOR. SEU TELEFONE CELULAR TOCA.
LIZ – (AO TELEFONE) Alô? Oi.... Mais ou menos. Acabei de chegar aqui, não sei, tá uma
bagunça, tudo imundo, um cheiro horroroso, ela estava toda suja, meio bêbada.... sei lá. Tá
muito magra, parece um esqueleto, uma coisa horrorosa! (SE DESCONTROLA E
CHORA) Eu sei. Eu sei.... vou ficar calma. Só preciso desabafar um pouco. Estou muito
preocupada, não sei o que está acontecendo, que eu faço? Tudo bem, eu sei que um porre
não mata ninguém... mas levei um susto, nunca vi minha irmã assim! Está bem, pode
deixar... ela sumiu do trabalho, parece que se desentendeu com alguém, deve ter feito uma
merda qualquer e está sem coragem de corrigir.... É típico dela! Sempre fez dessas coisas...
Eu sei que vai ficar tudo bem.... eu vou tentar ajeitar as coisas. (NUM ROMPANTE) Não
precisa vir! Já estou mais calma.... Fazer um café, boa idéia! Vou beber uma água e arrumar
as coisas... Ela está na banheira, toda suja, parece um monstro! Umas olheiras.... O cabelo
sujo, sem pentear, todo para cima... e uns copos no chão... tem até calcinha suja espalhada...
Não, ela não é disso! Porca, ela nunca foi... Vou. Vou. Daqui a pouco te ligo tá? Se
precisar... Pode deixar. Um beijo. Tchau amor (DESLIGA O TELEFONE)
UNIDADE 5 – ABRINDO O DESINFETANTE
LÉO – (DE DENTRO DA BANHEIRA) Agora eu estou bem. Precisava só de um
(CANTA) banhinho de lua... tomo um banho de lua...
LIZ – Vou fazer um café.
LIZ BOTA ÁGUA PARA FERVER, ENQUANTO VAI ABRINDO ARMÁRIOS DA
COZINHA.
LIZ – Será que tem café aqui? Só tem um pouco de arroz, café... Biscoito mofado...
Gelatina. Macarrão instantâneo. Ela está se alimentando muito bem! Vou fazer um café.
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PREPARA O PÓ DE CAFÉ E VAI ATÉ A CAMA. VAI REPARANDO MELHOR NAS
GARRAFAS, SÃO TRÊS GARRAFAS DE VODCA E DEZ LATINHAS DE CERVEJA.
VÁRIAS GUIMBAS DE CIGARRO EM CINZEIRO, EM COPO, EM XÍCARA,
DENTRO DE GARRAFAS E NO CHÃO ENFILEIRADOS DO LADO DA CAMA. TIRA
OS LENÇÓIS, LIMPA “O GROSSO” DA SUJEIRA DO CHÃO VOMITADO E OS
COLOCA NUM TANQUE.
LIZ – Que nojo! Onde está o material de limpeza, Léo?
VAI ATÉ A COZINHA. ACHA, UM PANO E UM DESINFETANTE LACRADO.
PASSA O DESINFETANTE NA CAMA, EM VOLTA DA CAMA, VAI ATÉ O
ARMÁRIO, VÊ AS ROUPAS AMASSADAS. ACHA UM LENÇOL
APARENTEMENTE LIMPO E COLOCA SOBRE A CAMA
LIZ – Depois eu ajeito isso melhor.
VAI ATÉ A COZINHA, PASSA O CAFÉ E LEVA PARA LÉO - QUE AINDA CANTA.
UNIDADE 6 – EU TENHO E VOCÊ NÃO TEM!
SUB UNIDADE 6.1 – DEPRESSÃO X MARCELINHO
LÉO – Estou tão contente porque você veio me visitar!... Sabe que andei pensando muito
em você esses dias? Juro, por tudo que você quiser... quer que eu jure pelo o que? Pela
mamãe, pela mamãe mortinha, eu juro que a mamãe mortinha.... Nossa, ela ficou tão azul!
Por que você me abandonou? Você sabe que eu... eu sou muito sozinha, eu sou muito
triste... Você não gosta de mim, não é?
LIZ – Querida, eu estava viajando, o Marcelinho estava de férias e nós fomos para Búzios.
Por que você não me ligou? Poderia ter ido com a gente.
LÉO – O Marcelinho, como ele está? Deve estar enorme.
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LIZ – Está bem, andou meio gripado, mas passou. Ele é muito alérgico. E casa de praia
que a gente não está todo dia, por mais que se limpe sempre acumula muita poeira. Agora
está tudo bem. E você? O que está acontecendo?
LÉO – Ando meio deprimida, meio cansada... Nada demais.
LIZ – Há quantos dias você está assim?
LÉO – Depende. Assim cansada, assim nada demais ou assim de ressaca?
LIZ – Fale direito comigo. Você já foi ao médico? Pode ser fígado.
LÉO – (FALA BAIXO, SÓ PARA SI) Ando com muito medo. De sair de casa, sabe? Aí eu
desisti. Eu acho que não é fígado não. É um medo de... sei lá. Ainda bem que você está
aqui, agora estou salva.
SUB UNIDADE 6.2 – SUGAR FREE
LIZ – Beba este café. Pra você acordar.
LÉO – (BEBE O CAFÉ) O café está amargo? Está sem açúcar?
LIZ – Coloquei duas gotas de adoçante.
LÉO – Aspartame?
LIZ – Só achei o zero cal.
LÉO – Não uso mais adoçante.
LIZ – Você deveria experimentar stévia, já provou? O gosto é como açúcar e não faz tão
mal como esses adoçantes artificiais. Eu li numa revista que no Japão eles não consomem
açúcar só stévia. Eles importam do Brasil toda a stévia...
LÉO – (DEBOCHANDO) Nossa, super interessante.
LIZ – Eu só estou tentando puxar um papo... (ACENDE UM CIGARRO)
LÉO – O café está ótimo. Você me dá um cigarro?
LIZ – Toma.
UNIDADE 7 – ABRINDO AS GAVETAS
LÉO – Eu quero saber o que está acontecendo com você.
LIZ – Nada. ... só não quero falar com ninguém. É um direito meu, não é? (PARA LÉO) Eu
quero saber o que está acontecendo com você.
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LÉO – Nada... só não quero falar com ninguém. É um direito meu, não é?
LIZ – Ah não, comigo você vai falar!
LÉO – Com você? Eu falo tudo, você é a minha querida irmã, minha irmã gêmea
maravilhosa, que me deu um sobrinho lindo, um lindo garotinho que eu nunca vejo, porque
você trabalha demais, e seu marido não gosta de mim...
LIZ – Quem te falou isso? O Pedro não tem nada contra você. Alguma vez ele já te tratou
mal? Nunca. Que bobagem.
LÉO – Bobagem.
LIZ – Eu queria falar com você... Não sei nem como começar. Eu sei que eu não posso
invadir a sua vida, a sua individualidade... (TOMA CORAGEM) Você anda bebendo?
LÉO – Não, eu bebo parada! (RI MEIO ABOBALHADA) Brincadeira, eu não estou
bebendo.
LIZ – O que são essas garrafas espalhadas pelo chão?
LÉO – (SE ERGUE PARA OLHAR) Que garrafas? São muitas? Foi... A Ana... Ela fez
aniversário e fizemos uma festinha... uma festinha comportada com brigadeiro e parabéns.
LIZ – Quem é Ana?
LÉO – Uma amiga. Sou uma pessoa bem relacionada. Tenho amigos ocultos fora do Natal.
LIZ – De onde? Nunca ouvi falar...
LÉO – Do tipo que a gente conhece por aí, um pessoal legal, se diverte... Fica aqui, na
boa... (DESISTE DE CONTAR) Ah, quer saber? Você não me fala nada da sua vida, então
fodasse que eu tenha os meus segredinhos também.
LIZ – Que segredinhos? Eu não tenho segredinhos. O que você quer saber de mim que eu
não te conto? Nada. O que você não sabe da minha vida? Nada. Você sabe de tudo. Toda
festa lá em casa, eu te ligo, convido, insisto, você que não aparece. Combina e não aparece,
nem se preocupa em telefonar desmarcando. Eu fico esperando.
LÉO – Ai que saco!
LIZ – Não tem problema, não estou cobrando nada, não me importo com isso. Não vou
brigar por isso. Não quer contar, não conta.
LÉO – Ah , não fique chateada. Foi o fodasse que te magoou? Por que? Você não fode?
LIZ – Léo, eu detesto que você fale comigo dessa maneira. Eu vou fingir que não ouvi só
por causa dessa situação lastimável em que você se encontra.
LÉO – Bobagem... Lastimável.
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UNIDADE 8 – TARJA PRETA OU DISSECANDO O CADÁVER
LIZ – (CHUTA SEM QUERER O CINZEIRO) Eu estou apavorada, estou nervosa, não
estou entendendo nada. Olha o que eu fiz! Sujei o chão! Por que você está falando assim,
estranha? Por que você está estranha?
LÉO – Não grite por favor que a minha cabeça... Será que você pode pegar meu cigarro?
Está na bolsa.
LIZ – Você vai fumar outro cigarro?
LÉO – Estou sem fumar a cinco horas, aí eu preciso fumar dois cigarros. O meu é de filtro
amarelo, aí eu fumo menos.
LIZ VAI PEGAR O CIGARRO E ENCONTRA UM POTE DE REMÉDIO TARJA
PRETA DENTRO DA BOLSA.
LIZ – O que é isso aqui?
LÉO – O que é isso?
LIZ – O que é isso? Remédio.
LÉO – Que remédio?
LIZ – Você está doente?
LÉO – Não! É... Estou com ... gastrite... nervosa... ando um pouco agitada, só isso.
LIZ – Isso é um calmante?
LÉO – (SONSA) Oi?
LIZ – Quem te deu?
LÉO – O... o médico, o gastro.... o do estômago.
LIZ – Há quanto tempo você está tomando?
LÉO – Sei lá, nem tomo muito, só de vez em quando, pra dormir... O médico! Ele falou que
eu devia tomar quando eu tivesse um dia difícil... Olha que não tá nada fácil.
LIZ – Não podia ser um calmante natural, uma maracujina, um chá?
LÉO – Foi a Ana que mandou, eu vou fazer o quê?
LIZ – E bebe?
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LÉO – Ih, mas que desgaste. Olha aqui se veio para me encher o saco... Seria melhor que
você ficasse na sua... E daí que tomei um porre, e daí?
LIZ – Faz mal para a saúde.
LÉO – Você fuma. Come no Mcdonald e está gorda.
LIZ – Engordei um pouco.
LÉO – Você está muito gorda, isso é nojento. Toda essa camada de tecido adiposo em volta
de você...Isso é muito feio. Um nojo. Vai ficar diabética. Diabetes também mata.
LIZ – Eu não vou comparar o que eu como com o seu coquetel de calmante e bebida. Não
vou mesmo. Levanta, vem colocar uma roupa.
UNIDADE 9 – PREPARANDO O BEBÊ PARA COMER
SUB UNIDADE 9.1 – SECANDO A ORELHA
LÉO SAI MEIO TRÔPEGA DA BANHEIRA, NÃO VEMOS O CORPO NU DELA. LIZ
A ENROLA NA TOALHA E A LEVA PARA CAMA. LIZ SECANDO LÉO COMO SE
ELA FOSSE SEU BEBÊ. PEGA UMA CAMISETA MASCULINA BEM LARGA.
LÉO – Me ajuda. Não consigo colocar essa camisa assim...
LIZ – Você está muito fraca, não deve estar se alimentando direito.
LÉO – Estou de regime.
LIZ – Preciso sair para fazer umas compras. Você acha que pode ficar um pouco sozinha?
LÉO – Você é muito engraçada. Nunca vem me ver, nunca liga pra mim. Some. Vive sua
vida e eu que me foda... Aí aparece de boa alma e não quer me deixar em paz. Por que
agora eu não posso ficar sozinha? Eu quero ficar sozinha. Quero! Você quer fazer o favor
de sair e não precisa aparecer aqui de novo que eu estou bem.
LIZ – Por que você está agressiva comigo? O que eu te fiz?
LÉO – Nada, cacete. Desculpa. Eu amo você. Mas você está tão gorda! Eu estou meio
estressada ultimamente, você me perdoa?
LIZ – Está bem.
LÉO – Eu juro que serei uma boa menina.
SUB UNIDADE 9.2 – O BOMBEIRO
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LÉO – (REPARANDO A CAMISA QUE VESTIU) Essa camisa não é minha não.
LIZ – De quem é essa camisa?
LÉO – Sei lá, de quem é. Deve ser do cara do chuveiro. Filho da puta. Pega ali a minha
bolsa, pega ali a minha bolsa, pega logo.
LIZ – (ENTREGA A BOLSA) O cara que veio consertar o chuveiro perdeu a camisa
aqui? Como assim? Essa camisa está suja ? Por que o bombeiro tirou a camisa? O que você
fez ?
LÉO – (REMEXENDO NA BOLSA) Não estou achando meu dinheiro. Filho da puta, deu
a Elza no meu dinheiro. Fodeu. Fodeu.
LIZ – (AGITADA) O bombeiro roubou você? Chama a polícia. Quem te indicou esse
bombeiro? Quem é Elza? Foi o porteiro? Ele é conhecido?
LÉO – Nem sei quem é esse filho da puta.
LIZ – Como ele veio parar aqui? Você abriu a porta para um bombeiro que você não
conhece? Isso é perigoso. E tira essa camisa, deve estar suja.
LÉO – Que bombeiro? (ASSUSTADA) Tá pegando fogo aqui? Os quatro elementos...
LIZ – Que fogo? Tira a camisa logo, estou ficando nervosa, você acabou de tomar banho,
e está com a camisa de um estranho. Por que ele tirou a camisa? Não entendi isso.
LÉO – Os quatro elementos se fundem num só, o fogo, a água, a terra o... perái. (CONTA
NOS DEDOS) O fogo, a água, a terra e o ar... o universo em harmonia traz a paz. Eu sou o
quinto elemento. Entendeu o que isso significa?
LIZ – Nada faz sentido.
LÉO – (COMO UM MILITAR) Sentido! (BATE CONTINÊNCIA E ESSE GESTO SE
TRANSFORMA ATÉ FICAR SOCANDO A CABEÇA. ENQUANTO REPETE UM
TRECHO DA CARTA DA ANA, NITIDAMENTE MAL DECORADO) “Felizmente nós
podemos nos tornar grandes parceiras. No decorrer do tempo, eu vou investir muito tempo
em você, e eu espero o mesmo de você.”
SUB UNIDADE 9.3 – A FOFOCA
LIZ – O que é isso?
LÉO – Não quero falar. Me deixa. Me deixa.
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LIZ – (SE ACALMANDO) Olha... nem sei como dizer... mas... Olha, nós precisamos
conversar. Eu sei que.. você sabe que ... eu... não acredito em fofoca, e nem ligo nada pra ...
mas eu... ouvi falar umas coisas estranhas, eu não acreditei em nada, é lógico, mas agora...
francamente... Me falaram que você anda ... com drogas. Me diga que isso é mentira, por
favor.
LÉO – Quem te falou?
LIZ – Me contaram.
LÉO – Como assim te contaram, que papo é esse?
LIZ – Calma, não vou dizer quem falou. Óbvio, que não vou aumentar a fofoca. Ah,
detesto isso.
LÉO – Fala logo.
LIZ – Bem, eu estava em casa e uma pessoa me ligou e veio com esse papo.
LÉO – Papo furado. (PAUSA) Vê se muda de assunto.
LIZ – Você não vai me responder?
LÉO – Não tenho que te responder. (PAUSA)
SUB UNIDADE 9.4 – SEJA GENTIL COM A SUA IRMAZINHA
LÉO – (BAIXO PARA SI) Estou com fome.
LIZ – Quer que eu prepare alguma coisa para comer?
LÉO – Me traz um copo de água com bastante gelo?
LIZ – Está com sede?
LÉO – Sim, seja gentil com sua irmãzinha...
LIZ – Aqui está a água. Você vai ficar sem calcinha? Não tem nenhuma limpa?
LÉO – Por favor, seja gentil com a sua irmãzinha!
LIZ – Preciso sair para comprar umas coisas, você quer algo especial?
LÉO – Traz chocolate, uma pacote de biscoito de... Queijo... Só não traz gordura. Traz diet.
Tem um danone light.. Goiabada... não! Nada com açúcar. O... Ades light. Damasco. Figo...
Não. Traz cigarro e coca-light.
LIZ – Só cigarro e coca-light? (PEGANDO SUA BOLSA E SAINDO) Já volto.
LÉO – Eu quero ir com você no super mercado.
UNIDADE 10 – A FOLIA SE INSTAURA
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SUB UNIDADE 10.1 – AGORA ESTÁ TUDO BEM!
CHEGAM COM MUITAS SACOLAS DE COMPRAS, TROUXERAM FRUTAS, PÃO
INTEGRAL, SUCO, COISAS NATURAIS. TUDO DIET. TUDO LIGHT. LÉO JOGA
SEUS PRODUTOS DIET EM CIMA DA CAMA E NUMA CRISE DE FELICIDADE,
LIGA O APARELHO DE SOM BEM ALTO E DANÇA MUITO, ENLOUQUECIDA E
AGITADA.
LIZ – Que houve com você? Está se sentindo melhor?
LÉO – Estou melhor, estou muito melhor, tudo agora está bem, estou muito bem, você não
acha? Não acha que está tudo bem? Eu vou sair dessa. Eu não quero mais sofrer.
LIZ – Vou preparar uma sopa. (GRITANDO DA COZINHA, O SOM É MUITO ALTO)
Trouxe sabão em pó.
LÉO – O quê?
LIZ – Trouxe sabão ... Abaixa um pouco esse som, por favor, deve estar incomodando os
vizinhos.
LÉO – Os vizinhos não se incomodam, os vizinhos são pessoas boas, eles querem me ver
feliz e estou feliz agora.
SUB UNIDADE 10.2 – CHUTES DE BOTA
LÉO ESTÁ OUVINDO UMA MÚSICA BEM AGITADA, PESADA, O SOM ESTÁ BEM
ALTO. LIZ VAI ATÉ O SOM E ABAIXA UM POUCO O VOLUME.
LÉO – (CRUEL) Você é igualzinha a mamãe, igualzinha, até a pinta no pé, não tem nada
de diferente. Totalmente óbvia, previsível, diminuidora automática de música boa,
castradora de felicidade. Por que você pensa que pode invadir a minha casa abaixar o meu
som? Só porque vai fazer uma merda de uma sopa? Enfia a sopa no seu cú. Não estou com
fome, não vou comer nada, quero você fora daqui agora. (AUMENTA O SOM E GRITA)
Eu quero ouvir música alta, eu vou ouvir música alta, a casa é minha, eu pago as minhas
contas, eu tenho as minhas escolhas, eu quero liberdade, minha mãe morreu, ó! (ESTALA
OS DEDOS FAZENDO GESTO DE MUITO TEMPO) Você não tem nada com isso, sai
daqui!
LIZ – (GRITANDO) O que está havendo com você? O que eu te fiz? Por que está me
tratando assim? Está louca?
LÉO CANTA. QUASE GRITA.
LÉO – Pare com isso que os vizinhos podem chamar a polícia!
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LIZ – Pare com isso que os vizinhos podem chamar a polícia! (abaixa o volume)
LÉO – Eu sou proprietária, não devo nada a ninguém, está entendendo? Quem vai me
expulsar daqui? Ninguém, me deixa! Pára de me regular (histérica) Pára, pára, pára!
AS DUAS TRAVAM UMA LUTA PARA ABAIXAR O VOLUME.
LIZ – Diminui isso!
LÉO – Tira a mão daí!
LIZ – Diminui isso!
LÉO – Porra, deixa o meu som, deixa é meu, é meu, é meu.... Pára!
LIZ – (AO MESMO TEMPO) Pára, deixa de ser histérica, diminui isso, diminui, estou
mandando...
HISTÉRICAS, AS DUAS PARTEM PARA A AGRESSÃO FÍSICA, LUTAM, SE
ESBOFETEIAM, PUXAM CABELO, ATÉ QUE LIZ, NUM ACESSO DE FÚRIA DÁ
UM MONTE DE CHUTES EM LÉO, QUE PÁRA AMEDRONTADA, LIZ DIMINUI O
SOM. NA QUEDA, LÉO SE CORTA EM ALGUM LUGAR E SANGRA.
UNIDADE 11- A AMAMENTAÇÃO
LÉO – (DESESPERADA, EM PRANTOS) Não me bate!
LIZ – Você está sangrando!
LÉO – Não me bate!
LIZ – (CAINDO EM SI) Meu Deus! O que eu fiz? Desculpa, eu vim aqui pra te ajudar,
minha irmã, eu te amo, pelo amor de Deus, me perdoa, eu perdi a cabeça, eu perdi o
controle. Que isso? Não sei o que deu em mim, me perdoa, por favor.
LÉO – Eu não mereço ser feliz. Não foi você. Você não tem culpa de nada. Eu fui punida
por ela.
LIZ – Ela quem?
LÉO – Ana.
AS DUAS SE ABRAÇAM
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LÉO – (DEPOIS DE UMA LONGA PAUSA) Deixa eu mamar no seu peito?
LIZ – O quê?
LÉO – (IMITANDO UM BEBÊ) Deixa eu mamar no seu peito?
LIZ – (LIZ MEIO ATORDOADA, IMPULSIONADA PELA CULPA E PERCEBENDO
QUE SUA IRMÃ NÃO ESTAVA MUITO NORMAL, OFERECE O PEITO, NUM
GESTO DE AMOR) Vem.
LÉO MAMA A PRINCÍPIO COMO UM BEBÊ, E DE REPENTE SENTE UM ENORME
NOJO E TEM COSPE. FICA LIMPANDO A LÍNGUA.
LÉO – (PROVOCADORA. CRUEL) O que deu em mim?
LIZ – Vou fazer sua sopa.
UNIDADE 12 – DESCONECTANDO DO OUTRO – O 3.º É DESCARTADO
SUB UNIDADE 12.1 – PREGUIÇA DE COMER E SER COMIDA
LIZ – Você quer pão?
LÉO – (BRINCANDO COM A COMIDA) Eu estou com preguiça de homem.
LIZ – O que?
LÉO – De bafo de homem!
LIZ – Você vai ficar enrolando pra comer?
LÉO – De papo de homem. Estou com nojo de homem. Desses homens de meia idade que
só se interessam pelas gostosas da academia. Eu nunca serei assim... Esse tipo de mulher
boazuda, disponível... mulher de fantasia... de filme pornô...Eu acho que a mulher é um ser
superior. Linda. Eu queria ser linda e magra como a Gisele... só pele e osso. Leve, magra.
Perfeita!
LIZ – (SEM OUVIR) Quer um sanduíche de presunto? É presunto de peru... Quer maçã?....
Tomate?
LÉO – Se lembra quando a gente era pequena e brincava de comilança? Colocava tudo na
mesa da sala e só saia quando a comida acabasse?
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SUB UNIDADE 12.2 - A VOZ DE ANA
O TELEFONE TOCA VÁRIAS VEZES, LÉO NÃO SE MOVE.
LIZ – Você não vai atender?
LÉO – Não.
A SECRETÁRIA ELETRÔNICA DISPARA.
VOZ DE LÉO EM OFF – “Sou eu Ana. Atenda ao telefone.”
LÉO CORRE PARA ATENDER AO TELEFONE MAS CONTINUAMOS OUVINDO A
VOZ EM OFF. LIZ NÃO OUVE A SECRETÁRIA ELETRÔNICA. É COMO SE A VOZ
SAÍSSE DA CABEÇA DE LÉO.
LÉO – Oi, espera um pouco que eu vou desligar a secretária...
VOZ DE LÉO EM OFF – “Seus amigos não te entendem. Eles não são verdadeiros. No
passado, quando insegura você perguntou a eles:- Estou gorda?- E eles te disseram:- Não,
claro que não!-você sabia que eles estavam mentindo! Apenas eu digo a verdade! E sem
falar nos seus pais! Você sabe que eles te amam e se importam com você, mas uma parte é
porque eles são pais, e são obrigados a isso. Eu vou te contar um segredo agora: Bem no
fundo, eles estão desapontados com você. A filha deles, que tinha tanto potencial, se
transformou em uma gorda, lerda, e sem merecimento de nada!”
SUB UNIDADE 12.3 – TEM COISAS QUE VOCÊ NÃO VAI ENTENDER NUNCA!
LÉO – Oi... não, agora a minha irmã está aqui... é não vai dar... quanto é? (RINDO) aceita
cheque? (RINDO) Eu preciso passar no caixa eletrônico. Estou sem dinheiro agora... Não!
Eu quero, está tudo certo, calma, eu vou passar no banco e me você me encontra daqui a 10
minutos aqui em baixo. Não! Na portaria. Eu já estou indo... vou botar um tênis e... vou....
(FALANDO BAIXO) Você não quer vir dormir aqui comigo? Estou com saudades... daqui
a pouco ela vai embora... vou descer. (DESLIGA) Liz, eu preciso dar uma saída rápida, já
volto (CALÇANDO O TÊNIS) eu preciso pegar uma parada...
LIZ – Que parada?
LÉO – É um queijo. Eu tenho uma amiga que vende queijo.
LIZ – Queijo?
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LÉO – É. A Mia mora aqui no prédio e vende queijo minas de um sítio que ela tem, queijo
fresco. Eu já volto.
LIZ – Não é Ana o nome dela?
LÉO – Mia.
LIZ – Eu ouvi, ela falou Ana.
LÉO – Ana e Mia é a mesma coisa.
LIZ – Acho que você não tem a menor condição de sair. Quer que eu vá com você? Por
que essa pressa?
LÉO – O queijo vai estragar.
LIZ – Você acha que eu sou boba? Eu sei que você não vai comprar queijo. Isso eu entendi.
LÉO – Querida, tem coisas que você não vai entender nunca. Já volto. (SAI, BATE A
PORTA)
SUB UNIDADE 12.4 – DESLIGA O TELEFONE
LIZ – (PEGA O TELEFONE E LIGA PARA O MARIDO) Pedro... não, eu acho melhor
eu ficar por aqui essa noite, está bem? Preciso entender o que está acontecendo aqui,
preciso conversar direito com ela... Acho que ela está precisando de ajuda. É séria a coisa.
(CONFUSA) Ela acabou de ... uma menina se chamava Ana... saiu... com a camiseta do
bombeiro... suja... A Elza pegou a bolsa... de tênis... no banheiro... para comprar um
queijo... sem calcinha! Ela disse que Ana e Mia é a mesma coisa... Vou dormir aqui hoje.
Um beijo. Não... não se preocupe, estou bem.
LIZ VAI PEGANDO TODAS AS PONTAS DE CIGARRO, PONTAS DE MACONHA,
GARRAFAS, POTES DE REMÉDIO E OUTRAS DROGAS QUE ACHA PELA CASA E
VAI FORMANDO UM TRISTE MOSAICO.
UNIDADE 13 – LAVANDO A ROUPA SUJA OU O DELÍRIO OU EU VOU SER
SALVA. VOCÊ VAI ME SALVAR
LIZ LAVANDO AS CALCINHAS DE LÉO NA PIA DO BANHEIRO, ALGUMAS JÁ
ESTÃO ESTENDIDAS. LÉO CHEGA.
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LIZ – Onde você estava? Fiquei esperando você chegar, não dormi direito, quase liguei
para polícia. E o Marcelinho não foi à escola hoje, está em casa me esperando....
LÉO – Você vai ficar de castigo para me salvar.
LIZ – O quê?
LÉO – Você não vai sair daqui nunca mais. Eu estou morrendo. Preciso de você. Ouço
vozes.
LIZ – (AGRESSIVA) Sua maluca!
LÉO – Não me bate! Eu faço coisas que eu não quero fazer. São as vozes.
LIZ – Que vozes?
LÉO – Elas me falaram que você vai se sacrificar por mim. E eu vou ser salva. Eu vou
poder ficar boa porque eu tenho você. Você vai largar tudo e vai viver só para mim. Vai
fazer tudo o que eu quiser. Você agora é a minha escrava. Eu quero água. Vai buscar água
para mim!
LIZ – Se você está louca e não consegue segurar a sua onda, eu vou te internar. O Pedro me
falou que conhece uma clínica ótima. Ele tem uns amigos que trabalham lá.
LÉO – Você acha que eu estou louca?
LIZ – Totalmente. (CHORA) Há muito tempo. Eu não queria ver... nunca quis acreditar....
agora está muito claro. Mas se você está passando por um momento difícil, a gente pode
segurar essa onda juntas.
LÉO – Eu quero você aqui comigo. Não quero ir para lugar nenhum. Eu quero ficar na
minha casa. Eu não vou sair daqui para você poder ficar tranqüila fodendo com o seu
marido de merda.
LIZ – (HISTÉRICA) Não fala assim comigo!
LÉO – Desculpa, eu esqueci que você não fode. Aquele merda não serve nem para isso.
Você se casou por que? Para sair de casa? Para lavar seus próprios panos de prato? Você
nem gosta dele. Nunca gostou... O teu gozo foi roubar o meu namorado. Ele me falou que
só casou com você por causa dessa criança que você arrumou... Você deu “umazinha”,
engravidou e pensa que está com a vida ganha. Vai ao salão faz as unhas. Busca a criança
na escola. Manda a empregada fazer sopa... Macarrão... Feijão. Pede uma pizza ... O seu
marido está bebendo com as mulheres do trabalho. Aquelas gostosas da academia. Elas
fodem. E fodem muito. Você assalta a geladeira. Enche a cara de massa, de pão, até ficar
com o estômago pesado. Você sente prazer com essa culpa. Essa indigestão... Você se sente
feliz. Fica cheia. Cheia de comida. Essa azia é o teu gozo. Se olha no espelho... No que
você se transformou? Uma gorda nojenta. Coloca a criança para dormir na sua cama para
não ter que... Acorda, vai ao shopping, vai à praia, vai ao cinema. Vá à merda com essa sua
vidinha ridícula. Programada. Falsa. Infeliz. Você é tão infeliz! Se masturbando na
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Internet... Lava a mão e vai abraçar a criança. Pobrezinho, tão inocente... Suas mãos estão
sujas. Você é muito suja.
LIZ – Eu vou te internar.
LÉO – É você quem está precisando ser internada. Você é que é totalmente louca e vem
aqui me dar lição de moral. (COMEÇA A RECITAR DE FORMA MAL DECORADA A
CARTA DA ANA) “Eu espero muito de você. Você não tem permissão para comer muito.
Eu vou começar devagar: diminuindo a gordura, lendo tabelas de nutrição, cortando doces e
frituras, etc. Por um tempo os exercícios serão simples: Corridas, talvez exercícios
localizados. Nada muito sério. Talvez você perca alguns quilos, tire um pouco de gordura
deste seu estômago gordo! Mas não irá demorar muito até eu te dizer que não está bom o
suficiente.”
UNIDADE 14 – VAMOS VOAR?
LIZ – (DEPOIS DE UMA LONGA PAUSA) Você me vê assim?
LÉO – Essas vozes me atormentam! O que eu falei?
LIZ – Isso que eu sou para você?
LÉO – Ah, estou mais calma. Eu vou dar um teco no banheiro.
LIZ – Então não era mentira. Você voltou a cheirar?
LÉO – Socialmente.
LIZ – Desde quando?
LÉO – Quer saber mesmo? Nunca parei. Desde os dezoito anos. Você nunca reparou. Nem
mamãe reparava. Duas idiotas.
LIZ SE APROXIMA E TENTAR TOCAR EM LÉO, ACARICIANDO SEUS CABELOS.
LIZ – Você faz isso para chamar a minha atenção?
LÉO – É. Eu queria chamar a sua atenção. Por isso eu cheirei dois apartamentos e um
fusca. Para chamar a sua atenção. Agora que você percebeu? Você daria uma ótima
psicóloga de botequim.
LIZ – Querida, fala comigo. Eu sei que eu posso te ajudar. Eu quero te ouvir. Se você quer
desabafar... Eu sou sua amiga. Eu quero mostrar para você... Eu sou boa.
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LÉO – Você se sacrificaria por mim?
LIZ – Sim.
LÉO – Prove.
LIZ – Eu vou largar tudo para cuidar de você. Não é isso que você quer? Vou ficar aqui do
seu lado... Vou ajudar você a se organizar. Está com fome?
LÉO – Eu nunca tenho fome.
LIZ – Vem comer um pouco.
LÉO – Agora não.
LIZ – O que você quer fazer?
LÉO – Eu quero que você se liberte. Vamos voar? Vamos voar?
LÉO VAI ATÉ A JANELA E SOBE NO PARAPEITO
LÉO – Eu sou o super homem! Eu posso voar!
LIZ – Sai da janela!
LIZ CORRE ATÉ ELA E A SEGURA PELAS PERNAS.
LIZ – Não faça isso! Não faça isso nunca mais!
UNIDADE 15 – VAMPIRIZANDO
LIZ – Vem dormir um pouco. Vamos ficar um pouquinho abraçadas, vem!
LÉO – Eu sou um problema na sua vida. Mas eu vou morrer e tudo isso vai acabar.
LIZ – Eu não quero que você morra.
LÉO – Você salvou a minha vida.
LIZ – Feche os olhos e durma.
LÉO – Eu não sei mais dormir. Eu (ASSUSTA-SE) preciso pagar a conta do gás!
LIZ – Depois a gente paga.
LÉO – Não quero ficar deitada, estou enjoada.
LIZ – Fica aqui comigo!
LÉO – Me solta, vou trocar de roupa.
LIZ – Você vai ficar aqui um pouco que eu estou mandando.
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LÉO – Vai se fuder que você não manda em mim. Eu sou a Miss Brasil 2000. E eu vou
rodar até ficar tonta! Quero virar uma barata atômica.
LIZ – Toma esse remédio, para tentar dormir um pouco.
LÉO – Ah, agora você quer me dar remédios... O que tem nesse remédio? Você quer me
envenenar?
LIZ – (FORÇA-A A TOMAR UM CALMANTE) Toma essa merda para ver se descansa
um pouco. Eu só quero descansar um pouco e você precisa se acalmar.
LÉO – Você quer me deixar grog para roubar tudo o que é meu. A minha vida. Você quer
sugar a minha vida. Você é uma vampira. (ASSUSTA-SE) Sai daqui. Você é uma vampira!
UNIDADE 16 – EU NÃO VOU VOLTAR PRA CASA... HOJE.
LÉO SAI CORRENDO E SE TRANCA NO BANHEIRO E FICA GRITANDO DE LÁ
ATÉ QUE PÁRA.
LIZ – (PEGA O CELULAR) Alô Pedro? Eu não consegui dormir. Ela se trancou no
banheiro, mas deve ter desmaiado. Ouvi um barulho... Dei um Dormonid para ela dormir.
Acho que fez efeito. Se ela estiver sangrando depois eu limpo, que o ladrilho é fácil de
limpar. Eu não vou voltar para casa... hoje. Vou dormir aqui. Pede pra Beth ficar com o
Marcelinho. Ela está precisando... Eu preciso ficar de castigo... Eu não quero ninguém me
ligando! Estou cansada, estou muito cansada. Vou tentar dormir. (DESLIGA)
UNIDADE 17 – ESPERANDO ANA
BLOCO FRAGMENTADO. PERDEMOS A NOÇÃO DO TEMPO QUE AS DUAS
ESTÃO TRANCADAS NESSE CONJUGADO.
LIZ – Está melhor?
LÉO – Melhor.
LIZ – Você tem que superar isso.
LÉO – Eu não consigo, você não entende nada, não sabe de nada.
LIZ – Você tem que fazer uma forcinha. Eu estou aqui para ajudar você.
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LÉO – Ai, ai, ai! Me irrita essa sua burrice, você não é capaz de perceber nada. Não tem
nenhum mistério aqui. Você acha que eu estou aqui assim à toa?
LIZ – Não fala comigo dessa forma, tenha um pouco de calma.
LÉO – Calma... calma... fácil!
LIZ – Fico olhando você assim, todos os dias. Está tão cheia de angústia ... Acho que você
deveria ocupar seu tempo...
LÉO – Já estou ocupada o bastante com meus planos.
LIZ – Nem quero pensar em quais são.
LÉO – O que você está querendo dizer? Vamos, seja mais clara!
LIZ – Estou querendo dizer que... bem, você fica parada olhando essa porta fechada,
porque virá “alguém” te visitar, digamos assim... Sentada nesse banquinho olhando para a
parede (séria) Parece criança que foi colocada de castigo. Só sai dessa posição.....
LÉO – Não estou parada olhando! Estou refletindo, estou esperando. (ALUCINADA)
Porque o que vai acontecer comigo, vai transformar tudo.
LÉO SOBE NO PEQUENO BANQUINHO EM POSES HERÓICAS.
LÉO – Virá uma revolução e eu...
QUASE CAI DO BANQUINHO E LIZ VEM AO SEU SOCORRO.
LÉO – Eu tenho medo. As vozes... Eu fico tão assustada, me encolho em silêncio, fico
parada, quieta esperando a Ana chegar. E tudo voltar ao normal.
LIZ – O que você está falando?
LÉO – A Ana é minha melhor amiga, minha única amiga.
UNIDADE 18 – O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO COM A NOSSA VIDA!
LIZ – Eu estou cansada, tem coisas que não consigo fazer sozinha, preciso da sua ajuda. Sei
que não é fácil para você, mas deveria tentar ajudar. (FALA BAIXO PARA SI) Pelo menos
para que eu gastasse menos tempo tendo que cuidar de você.
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LÉO – Está reclamando? Eu não pedi para você vir aqui, não pedi para você fazer nada,
não quero que você faça nada. E agora está me cobrando? Pensei que você gostasse de
mim...
LIZ – Não estou cobrando nada, não estou reclamando. É um desabafo. Abri mão de várias
coisas... Vou ficar aqui o tempo que for necessário. Só que eu confesso que estou cansada.
Vê se abre os olhos!
LÉO – Meus olhos estão abertos, não estou morta...(GARGALHADAS) Ainda não! Você
devia fechar a boca.
LIZ – Você devia prestar atenção no que eu falo. Você deveria prestar atenção no que está
fazendo com a nossa vida...
LÉO – (FRÁGIL) Pára, pára de me tratar assim....Estou fraca demais para sair daqui. Não
me sinto bem, acho que vou desmaiar...
UNIDADE 19 – O VÔMITO
LÉO VAI ATÉ A GELADEIRA ENQUANTO LIZ DORME. ENFIA UMA FATIA DE
PÃO NA BOCA. TEM UMA CRISE COMPULSIVA POR COMIDA. DEPOIS
IMEDIATAMENTE VAI ATÉ O BANHEIRO VOMITAR.
UNIDADE 20 – LÉO ESTÁ ANORÉXICA ou O MOMENTO DA INTERVENÇÃO
LIZ – Você está sangrando?
LÉO – Acho que machuquei enquanto escovava os dentes.
LIZ – Você está com hemorragia nasal? Você ainda tem pó na casa? Você vai morrer por
cheirar pó sua idiota. Cadê? Cadê? Cadê? (VAI PROCURANDO EM TODOS OS
LUGARES ATÉ QUE ABRE O ARMÁRIO E CAI UM CHUVA DE POTES DE
FÓRMULAS PARA EMAGRECER).
LIZ – (ATERRORIZADA) Não! Não! Não é verdade! É um pesadelo!
LÉO – (SUSSURANDO) Você não tem o direito de invadir a minha vida.
LIZ – Como é que você pôde acabar com a minha vida? Responde! Por que você acha que
tem o direito de acabar comigo? Hein?! Fala sua imunda! Eu estou aqui ouvindo você falar
um monte de injustiças sobre mim. Tudo que você pensa sobre mim, e eu aguentei
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calada...Você é monstruosa! Você quer tomar choquinho de novo, quer? O que os
vizinhos... E todo mundo me compara a você.... Olham pra mim e perguntam de você.... Eu
fiz tudo certo, fiz tudo certo, fiz tudo certo.... Pra você estragar tudo! O que os meus amigos
vão pensar de mim quando souberem que eu tenho uma irmã maluca? Eu achei que já
estava tudo resolvido... Que era irresponsabilidade ..... de jovem... Você jurou pra mim que
nunca mais ia ser internada! Eu achei que essa tragédia na minha vida tinha acabado. Lá
vou eu de novo, tendo que ir às reuniões com aquele bando de gente louca em volta...
Todos me olhando.... Por que se você quer se drogar, se drogue mas não deixe os outros
saberem disso. (NUM ROMPANTE HISTÉRICO) Eu não tenho que participar das suas
loucuras!!
LÉO – (SEM CERTEZA) Eu vou parar...
LIZ – Mas você é muito egoísta! Sempre quis ser o assunto da casa! Todo mundo sempre
ficou em função das suas crises, dos seus “pitis”... E eu? E eu? Ficava com o tempo livre da
mamãe.... Isso não vai acabar nunca? E a família nessa hora só aparece para telefonar... Eu
sou cobrada. Eu tenho que fazer alguma coisa... Ninguém quer saber se eu posso....
LÉO – (PARA SI) Eu quero parar...
LIZ – E é mentirosa! Você nunca teve nada com o Pedro! Sabe o que ele fala de você? O
Pedro sempre soube a diferença entre nós duas... Ele é o melhor marido do mundo! Você
nunca na vida vai ter um marido como o meu! E você não vai destruir o meu casamento, eu
não vou deixar! Será que você não vai amadurecer nunca? Não vai destruir a minha vida!
Eu não vou... Eu não mereço!
LÉO – (BAIXO) A Ana não deixa...
LIZ – Você vai comer agora. Eu vou botar a mesa e nós vamos brincar de comilança agora!
UNIDADE 21 – A INVERSÃO OU VOCÊ QUER CHÁ?
LIZ SENTADA NO VASO SANITÁRIO COM CÓLICAS, LÉO ACORDA.
LÉO – Está tudo bem?
LIZ – Está tudo bem, não se preocupe.
LÉO – Você quer um chá preto? Eu fiz um bolo de damasco...
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LIZ – Não precisa. Já estou melhor.
LÉO – Está bem, então... vamos arrumar a casa. Ajude-me a limpar as coisas.
LIZ – Você está brincando comigo? Como é que eu vou esfregar o chão? Deixa tudo como
está. Não pedi para limpar nada. Agora, para mim, não faz diferença.
UNIDADE 22 – O MUNDO ESTÁ ANGUSTIADO
LIZ – Vou abrir a janela para ver o sol.
LÉO – (EM TRANSE) Sol faz mal para pele, resseca. A pessoa fica toda seca. (NUM
SUSPIRO) Tem um bebê morto na minha barriga! (ASSUSTADA) Ele é tão frágil! Eu
tenho medo de segurar o bebê, eu vou quebrar o bebê! Vou colocar meu bebê numa
gaiola... como os passarinhos. Vou dizer para ele, que ele é um passarinho.
LIZ – Você não está grávida.
LÉO – Estou cansada de imaginar.
LIZ – Está com fome?
LÉO – Está ouvindo?
LIZ – Não.
LÉO – Preste atenção. Ouça. Estou ouvindo, (SUSPIRO) Ahhhh, silêncio...
LIZ – Vou preparar alguma coisa para você comer.
LÉO – Estou confusa. Minhas certezas estão se misturando. Não sei mais o que é a
verdade, o que está na minha cabeça. A minha cabeça tem um mundo! (PAUSA) O mundo
está angustiado.
UNIDADE 23 – A VOZ DO ESPELHO
AS DUAS NA FRENTE DO ESPELHO.
LÉO –Preciso perder dois quilos.
LIZ – Eu também preciso perder dois quilos.
LÉO – Quantos dias você agüenta ficar sem comer. No food.
LÉO – “Quando as horas das refeições chegarem, eu vou te dizer o que fazer. Quando eu
fizer um prato de alface, será como uma refeição de rei! Empurre a comida envolta! Faça
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uma cara de cheia... Como se você já tivesse comido! Nenhum pedacinho de nada...Se você
comer, todo o controle será quebrado...E você quer isso? Ser de novo aquela vaca gorda
que você era? Eu te forço a ver uma revista de modelos. (NESSE MOMENTO
APARECEM SLIDES DE MODELOS MUITO MAGRAS. A PRINCIPIO APARECEM
MULHERES BONITAS E POR FIM COMEÇA A MOSTRAR A BELEZA
DISTORCIDA DA ANOREXIA). Aquele corpo perfeito, magro, dentes brancos, essas
modelos perfeitas te encaram pela página da revista! E eu te faço perceber que você nunca
será uma delas. Você sempre será gorda, e nunca vai ser tão bonita quanto elas! Quando
você olhar no espelho, eu vou distorcer sua imagem, e te mostrar uma lutadora de sumô
mas na verdade existe apenas uma criança com fome. Mas você não pode saber da verdade,
pois se você souber, você pode começar a comer de novo e nossa relação pode vir a cair, e
me destruir!”.
UNIDADE 24 – OUTRA INVERSÃO
LIZ ESTÁ SE RETORCENDO DE FOME ENQUANTO LÉO DORME. NUM
ROMPANTE VAI ATÉ A COZINHA E JOGA FORA MUITOS PACOTES DE
BISCOITO. BEBE UM COPO COM ÁGUA. CHUPA GELO E TENTA ACORDAR
LÉO.
LIZ – Onde está o Dormonid que eu trouxe? Dá-me dois, por favor que eu não consigo
dormir e estou muito angustiada.
LÉO – Tem um na minha bolsa.
UNIDADE 25 – ADORO TE VER CHORAR!
SUB UNIDADE 25.1 – O CAFÉ DA MANHÃ
LIZ – Confie em mim.
LÉO – Eu confio em você mas eu queria testemunhas. (PAUSA) Está chorando? (PAUSA
LONGA) Adoro te ver chorar, fica corada, parece que maquiou o rosto.
LIZ – Não sei chorar. Fico triste mas as lágrimas não caem.
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UNIDADE 26 – O TEMPO NÃO PASSA
SUB UNIDADE 26.1 – O TEMPO NÃO PÁRA
LIZ – O tempo está correndo.
LÉO – Parece parado. Nem uma brisa. O tempo parou.
LIZ – (ACENDE UM CIGARRO) Vou te mostrar uma coisa. Olha o tempo passando. Está
vendo a fumaça se mexer junto com o tempo? A brasa se transforma em cinza... O tempo
está passando e nós duas aqui. Só olhando. Quando acabar o cigarro a gente joga aqui, no
cinzeiro. Também serve para ver o tempo passar.
LIZ FUMA O CIGARRO SEM BATER A CINZA. A CINZA VAI ATÉ O TOCO.
UNIDADE 27 – O INFERNO
LÉO – Eu trepei com o Pedro na sua festa de casamento. Enquanto você cortava o bolo o
jogava e buquê ele me comia na pia do banheiro. Ele queria trepar com todo mundo até
com a mamãe ele tentou trepar sabia? Eu vinguei a família.
LIZ NÃO ESBOÇA NENHUMA REAÇÃO.
LÉO – Santa. Você quer ser santa? Vou rezar para você.
LIZ PEGA O CELULAR. LIGA PARA PEDRO. DESISTE. O CELULAR DE LIZ TOCA.
LIZ – (NO CELULAR. FRIA.) Oi. Oi amor. Como está o Marcelinho? Ele já está
escrevendo o próprio nome?
LÉO COMEÇA A CANTAR DURANTE O TELEFONEMA, DIFICULTANDO A
ESCUTA.
LÉO – (CANTA ESSE REFRÃO CINCO VEZES SEGUIDAS) Dominique, sempre alegre
esperando alguém... O seu príncipe encantado, seu eterno namorado que não cansa de
esperar. Esperando alguém... Esperando alguém.... Alguém...
LIZ – (NUM ROMPANTE) Pára com essa música!
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OUVE-SE UM LATIDO DE CACHORRO DO LADO DE FORA DA CASA.
LÉO – (VAI ATÉ A JANELA E GRITA PARA FORA) Cala a boca seu cachorro de
merda. Ninguém pode fazer esse cachorro parar? Vou colocar veneno na sua água. Inferno!
UNIDADE 28 – ENTÃO MORRE!
SUB UNIDADE 28.1 – EU VOU MATAR VOCÊ
LÉO – Eu lavaria a louça mas acabei de comer e não posso abaixar a cabeça. (CANTA)
Dominique, sempre alerta esperando alguém... esperando alguém... esperando alguém...
Quem é esse alguém? Alguém?
LIZ – Eu vou matar você. Então vai ficar tudo bem. Não vai doer. Eu vou ficar aqui do seu
lado enquanto você morre. Eu vou sufocar você com o travesseiro. Você vai se debater um
pouquinho, mas vai ser rápido. Aí eu vou para a minha casa. Vou tomar meu banho. Vou ao
IML reconhecer seu corpo. Vou te enterrar. Você prefere ser cremada?
LÉO – Não! Quero ser enterrada.
LIZ – Então eu vou cavar a tua sepultura com as minhas próprias unhas que é para ter
certeza que você não vai conseguir sair de lá. Eu vou fazer uma cova funda e vou tacar
muita terra. Eu vou trancar o teu caixão pessoalmente. Eu vou rezar a tua extrema unção.
Eu vou carregar o teu caixão sozinha. Eu vou te velar. Eu vou fazer uma coroa de flores e
vou escrever: “já foi tarde. Quem não conheceu não sabe o atraso de vida que essa daí foi”.
A tua lápide vai estar escrita assim: “Essa aqui. Nunca casou. Nunca teve filhos. Nunca fez
nada que valesse a pena. Morreu para a alegrar a família. A vergonha da família!” E você
vai morrer porque eu cansei.
LÉO – Você vai ficar feliz?
LIZ – Vou. (OLHA NOS OLHOS DA IRMÃ) Eu vou chorar um pouco. Mas eu vou sentir
um alívio tão grande, que vai valer a pena. Depois eu tomo um Lexotan e vou dormir.
Depois eu vou para Búzios, vou pegar um sol. E vou voltar para a minha vida. Normal.
LÉO – Eu quero que você seja feliz.
LIZ – Então morre.
SUB UNIDADE 28.2 – VOCÊ ME SALVOU!
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AS DUAS SE BEIJAM E SE ABRAÇAM MUITO.
LIZ – (CHORANDO NUM ROMPANTE DE DESESPERO) Você me salvou. De ser boa.
Agora toma esses remédios, toma tudo de uma vez. E dorme. Que eu vou segurar a sua
mão.
UNIDADE 29 – EU TENHO TEMPO OU A EXTREMA UNÇÃO
LÉO ESTÁ DEITADA NA CAMA COMO NO COMEÇO DA PEÇA. TEM UMA
CONVULSÃO. LIZ APENAS OLHA, NÃO VAI ACUDIR.
LIZ – Ninguém vem te visitar... A casa está brilhando, está limpa, arrumada... Eu sou boa...
A roupa está passada, cheirosa... Ninguém vai poder falar nada de mim... Eu sou forte... Eu
abdiquei de tudo para te ajudar... O Pedro vem me buscar. Eu vou pegar sol... Você é um
peso morto... Sozinha... Ninguém... Morre! (ACENDE UM CIGARRO) Eu estou aqui.
UNIDADE 30 – A PERFEIÇÃO!
LÉO – (RECITA UM TRECHO DA CARTA DE ANA) “Permita me apresentar. Meu
nome, ou como sou chamada, pelos também chamados 'doutores' é Anorexia. Anorexia
Nervosa é meu nome completo, mas você pode me chamar de Ana.” Também sou
conhecida como Bulimia mas os amigos me chamam carinhosamente de Mia. Eu sou Ana e
Mia. Eu quero ser Ana até morrer. Peso 35 kg e tenho de altura 1,77. Eu sou feliz por ter
meus ossos à vista e amo miar... Sei que você não quer que eu seja Mia, você quer que eu
me trate... Ana e Mia são estilos de vida! Sim, se eu quero ser magra, ninguém tem nada a
ver com isso! Eu odeio comer. Existem muitas outras garotas que possuem esse estilo de
vida! Nós estamos todas juntas, unidas pelo mesmo objetivo, nos amparando. Eu vou
morrer mas vou morrer feliz!”(...) “Pois agora eu sou sua única amiga, eu sou a única que
você precisa agradar! Mas nós não podemos contar a ninguém. Se você decidir o contrário,
e contar como eu te faço viver, todo o inferno vai voltar! Ninguém pode descobrir, ninguém
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pode quebrar esta concha que eu tenho construído com você! Eu criei você, magra, perfeita,
minha criança lutadora! Você é minha, e só minha! Sem mim, você é nada! Então, não me
contrarie. Quando outras pessoas comentarem, ignore os! Esqueça deles, esqueça todos que
querem me fazer ir embora. Eu sou seu melhor apoio, e pretendo continuar assim. Com
sinceridade. Ana”.
LUZ VAI SE APAGANDO E PODEMOS FINALMENTE VER O CORPO NU E
ESQUÁLIDO DE LÉO.
FIM
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