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PROFESSORAS ASSACINAS- Texto da atriz Patrícia Pinho

Foto do escritor: Patrícia PinhoPatrícia Pinho

PROFESSORAS ASSACINAS


PERSONAGENS


MEMÉIA – Professora exemplar. Prestes a se aposentar. Os nervos

por um fio. Leciona Geografia. Esquerda Caviar de Bangú.

ALCIONE – Professora de Ciências. Sexy, usa roupas muito justas,

professora que vive na imaginação de um adolescente tarado. (ou

transexual)

VEROCA – Bandida. Professora do movimento. Ensina Matemática.

Reacionária. Aluno bom é aluno morto.

DEDEIA – Novata. Cheia de crítica e planos. Coordenadora

Pedagógica, cargo de chefia que dobra com sala de aula.


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PRIMAVERA ou O INÍCIO DO ANO LETIVO.


PRIMEIRO BIMESTRE


CENA 1 – Começa o ano letivo


SALA DE AULA DOS PROFESSORES. NA PAREDE UM CARTAZ

COM OS DIZERES: “BEM VINDOS AO ANO LETIVO DE 2010”. A

MESA DOS PROFESSORES AO CENTRO COM 6 CADEIRAS,

ARMÁRIOS, ESCANINHOS E PRATELEIRAS. MUITOS

DESENHOS EMOLDURADOS ABUSANDO DA ESTÉTICA PAPEL:

CREPOM, PARDO E CELOFANE.


MEMÉIA ENTRA NA SALA, LIGA A CAFETEIRA, ESTICA UMA

TOALHA SOBRE A MESA E ARRUMA BOLOS E PÃES SAÍDOS

DE UMA SACOLA PLÁSTICA DE SUPERMERCADO,

AGRUPADOS EM TUPPERWARES DE VARIADOS TIPOS E

TAMANHOS.


APARECE ALCIONE COM UM ENORME TABULEIRO DE BOLO

SALGADO SEGUIDA DE VEROCA QUE ENTRA CORRENDO E

PEGA UMA CHAVE PENDURADA COM UM MINI TUBO DE PVC,

ACENA E SAI. (TUDO AO MESMO TEMPO)


VEROCA – Trouxe esse brigadeiro do bom, mas segura aí que eu

tô me urinando toda.


MEMÉIA – Alcione! Como você emagreceu! Menina, fez a lipo?


ALCIONE – Eu hein Meméia?! E você acha que eu ia perder

minhas férias fazendo lipo? Eu lá vou deixar de ir para a praia para

ficar em casa toda enfaixada, roxa? Vou deixar para depois do

carnaval que aí eu aproveito e pego uma licença até as férias de

julho.


MEMÉIA – Ah menina, você nem sabe... Eu estou quase

conseguindo a transferência para aquela escolinha nova que abriu

ao lado da minha casa... Menina você precisa ver que gracinha.


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Pequenininha, calma, só 30 alunos por sala. A diretora já disse que

vai me pedir. Um paraíso.


ALCIONE – Que sorte! Vou sentir saudades tuas mas também não

vejo a hora de sair daqui. Esse ano eu vou gastar tirando licença.

Depois da lipo vou operar as amídalas que eu já garanto mais dois

meses em casa, depois se for preciso eu tiro até a vesícula, não

serve pra nada mesmo... Em Dezembro eu volto só para reprovar

geral.


MEMÉIA – Humm, esse bolo salgado está uma delícia! Mas você

conseguiu licença pra fazer lipo?


ALCIONE – Nada, eu falei que é câncer. Aí a papelada sai

rapidinho.


Cena 2 – Apresentação de Veroca. Aluno bom é aluno morto.


VEROCA – (VOLTANDO DA SALA) Cacete ! Esse ano pro-me-te.

Fui lá tirar água do joelho e tinha um cocô boiando desde o ano

passado. A privada preta, fui dar a descarga e tá sem água essa

porra. Alguém tem álcool aí? A merda pro-me-te!


NESSE MOMENTO APARECE DEDEA. COM UM ENVELOPE NA

MÃO.


DEDEA – Bom dia. Eu sou a nova professora da escola.


ALCIONE – (NUM SALTO) Eu sou a Professora Alcione, muito

prazer. (NUM ROMPANTE HISTÉRICO) Ah que bom. Graças a

Deus! Deus ouviu minhas preces! Finalmente veio alguém para me

ajudar para preencher as turmas de ciências. Tô cansada de dar

aula pra oitava e ter que ensinar a matéria do fundamental todo.

Você é de biologia ou química?


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DEDEA – Não, tem alguma confusão. Eu sou professora de Artes.

Meu nome é Dedea, quer dizer... É Andrea mas ninguém me chama

assim.


ALCIONE – Mas não teve concurso agora pra ciências? Puta que

me pariu. Não preenche a vaga. Eu me sinto uma dinossaura em

extinção.


MEMEIA – Calma, calma, come um brigadeiro que a Veroca trouxe.


VEROCA – Mas só come três. Se não fica muito louca.


MEMEIA – Ah você é professora de artes. Eu sou Meméia,

professora de Geografia. Que legal. Eu adoro artes. (PAUSA) Você

vai fazer o que por aqui?


DEDEIA – Eu vou dar aula de teatro.


ALCIONE – (AINDA NA HISTERIA) Teatro? Palhaçada isso. Pra

que? Ninguém aqui nunca foi a teatro, não sabe o que é isso.


VEROCA – Mas você não é professora de Artes?


ALCIONE – Tinha que ser Artes marciais. Dar porrada nesse bando

de filho da puta. Me desculpe o termo, mas fiquei puta. (PUXA A

CALÇA PRA CIMA)


DEDEIA – (REPARA E SE ASSUSTA COM O VOLUME DA CALÇA

DA PROFESSORA) Ah, a diretora mandou eu trazer o ponto.


MEMEIA E ALCIONE CORREM PARA ASSINAR O PONTO.

FRENÉTICAS.


ALCIONE – Me dá aqui para eu assinar o mês todo logo.


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MEMÉIA – Depois passa para mim.


VEROCA – Dá uma rubrica aí no meu.


DEDEA – (PARA SI) Ai que exagero. No final do dia eu assino o

meu. Não entendi a pressa. (SENTANDO PERTO DE VEROCA

QUE JÁ ESTÁ NO QUINTO BRIGADEIRO)


VEROCA – (OFERECENDO BRIGADEIRO) Quer unzinho? Esse é

do bom. Seja bem vinda minha filha. Fez concurso agora? Dá pra

ver... Tá com a cara fresca. (BAIXO PARA AS OUTRAS) Porra, já

começa o ano com uma novata para encher o meu saco.


DEDEA – Foi. Passei agora. A maior sorte. Mal me formei, já saiu o

concurso, foi só o tempo de fazer uma pós em educação especial.

Muita sorte.


VEROCA – (IRÔNICA) Vai ter sorte assim na puta que a pariu!


DEDEIA – Estou até com os papéis para assinar a minha matrícula

aqui, sabe. Os papéis da admissão. Fui o primeiro lugar no

concurso. Eu sou muito inteligente.


VEROCA – Nossa muito inteligente mesmo para tirar o primeiro

lugar! E veio parar aqui na escola por quê?


ALCIONE – Você é burra ou maluca? Tirou o primeiro lugar geral e

não ficou numa escola da zona sul?


DEDEA – Desculpe, acho que eu não me expliquei com clareza.

(COMENDO) Hum... Bom esse brigadeiro! Eu tirei o primeiro lugar

da região, não foi o geral.


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ALCIONE – (DESDÉM) Afe! Primeiro lugar da região até eu tirei

meu amor.


DEDEA – Ah que bom conhecer minhas novas colegas de trabalho.

Eu estou muito feliz. Estou muito animada para começar sabe? Eu li

num livro que em 78% das escolas que têm aulas de artes o

rendimento dos alunos cresce substancialmente. E que é notável

também a mudança comportamental e o relacionamento entre os

alunos...


VEROCA – Que legal! Isso é bolo salgado?


MEMÉIA – De atum e de frango. Mas o de atum está mais

molhadinho.


DEDEA – (SEM PARAR DE FALAR) Porque o cognitivo do aluno

fica mais estimulado através da criatividade e do senso de

responsabilidade interior que o teatro, quer dizer, as Artes em

geral....


ALCIONE – (BAIXO PARA AS OUTRAS) Se essa piranha citar

Paulo Freire eu juro que eu dou um soco na cara dela.


VEROCA – Se segura malandra.


DEDEA – A gente podia conversar sobre as propostas pedagógicas

da escola, que tal?


PAUSA. SILENCIO TOTAL. NENHUM MOVIMENTO. APENAS

MASTIGAM.


VEROCA – Oi?


DEDEA – Então... Eu queria saber da proposta pedagógica da

escola. Compreender qual é a linha de pensamento adotada pela


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diretora e até mesmo conhecer as atividades transversais para que

eu possa me inserir...


ALCIONE – (BAIXO PARA VEROCA) Isso é Paulo Freire, não é?


VEROCA - (QUE ENFIA UM PEDAÇO DE BOLO DE ATUM NA

BOCA DE ALCIONE. BAIXO PARA MEMÉIA) Ô Meméia, chega

aí... Essa piranha quer se inserir nas atividades sexuais, é isso?


MEMÉIA (PUXANDO DEDEA NO CANTO) – Ih já bateu hein,

Veroca?! Querida, você está chegando agora e seria bom a gente

conversar um pouco. Afinal eu também já tive a sua idade. Quantos

anos você tem?


DEDEA – 24. Vou fazer 24 em maio, mas é como se fosse 24 já. É

24!


MEMÉIA – Então amada, você tem de idade o que eu tenho de

magistério. É uma profissão linda. A gente chega cheia de sonhos.

Cheia de vontade de ensinar, de colorir cadernos... Eu sou da

época que a gente conferia o caderno dos alunos e colocava

estrelinha no caderno caprichado. Eu virava noites em casa

recortando as estrelinhas... Mas aí o tempo passou... E a realidade

hoje é bem diferente.


DEDEA – Mas eu me sinto bem preparada, sabe? Eu era a melhor

aluna da minha faculdade e fiz vários cursos extras. Eu estou com

um projeto de Mestrado em Artes integradas e a integração de

alunos.


ALCIONE – Mestrado é bom que aumenta o salário e diminui a

carga horária. Tem escola que incentiva isso... Não essa filha da

puta daqui que só pensa em levar criança pra circo... Pra agradar

Secretária de Educação. Me dá um brigadeiro desse.


VEROCA – (BAIXO PARA ALCIONE) Integração de aluno aqui é

quando eles saem na porrada.


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MEMÉIA - Mas é ótimo a gente ter sangue novo aqui não é

meninas?


NENHUMA REAÇÃO. APENAS MASTIGAM.


DEDEA – Desculpa se eu posso parecer um pouco arrogante a

princípio mas todo mundo sabe, gente vamos ser francas, está em

todos os jornais que o maior problema da educação é o despreparo

dos professores, então...


VEROCA – (BAIXO) Começou! Isso vai dar merda.


DEDEIA - Então eu queria oferecer a vocês uma oportunidade

incrível. Sabe, eu queria aproveitar e apresentar um pouco para

vocês as novidades pedagógicas e psico-pedagógicas, sabe?


ALCIONE – (SE OLHANDO NO ESPELHO) Essa calça tá cortando

minha xoxota.


DEDEIA – Porque eu estou super a par do que há de mais moderno

testado nas escolas americanas e européias e também muito

conectada com essa coisa de compromisso social e projetos, e

incentivo, sabe? Tenho essa apostila para preencher que ajuda a

formular a aula de acordo com o interesse dos alunos.


VEROCA – (SEM OUVIR. PARA ALCIONE) Esse de frango tá bom,

mas bem que você falou que o de atum estava melhor.


ALCIONE – Tá mais molhadinho...


DEDEA – E eu não quero que... Por favor... Que vocês achem que

eu estou sendo intrometida e nem tão pouco eu quero interferir no

conceito que vocês estão acostumadas a trabalhar mas... Por

exemplo, vocês conhecem a pedagogia do amor?


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ALCIONE – (NUM ROMPANTE) Isso é Paulo Freire! Agora chega,

explica Veroca, explica para essa garota como é que as coisas

funcionam por aqui...


VEROCA – Aqui a gente é muito ligada no Paulo Freire e na

pedagogia do amor. Porque a gente gosta mesmo é de fuder com a

vida do aluno.


CLIMA DE CONSTRANGIMENTO. MEMÉIA SERVE O CAFÉ.


MEMÉIA – Alguém quer café? Está adoçado já.


DEDEIA – (CONSTRANGIDA) Não tem xícara?


VEROCA – Põe um copo pra mim. O bolo de fubá tá ótimo. Fez

com erva doce?


ALCIONE – Fiz. Comprei numa loja de erva lá em Sepetiba.


MEMEIA – Me dá a receita depois?


DEDEIA – Vou experimentar um pedaço.


ALCIONE – Pega uma tijelona, com meio quilo de manteiga, mas

não é margarina não. Manteiga mesmo tipo CCPL. Aí bate com

açúcar até ficar cremoso. Eu gosto de bater na batedeira que fica

melhor. Aí é simples. Junta com meio quilo de fubá e um copo de

leite. Copo de requeijão. Unta o pirex e bota pra base de 40 minutos

no forno. Ah, antes bota um punhado assim, coisa pouca de erva

doce senão enjoa.


CENA 2 – CONHECENDO O PERFIL DOS ALUNOS


MEMÉIA – (ACENDENDO UM CIGARRINHO) Sabe que a escola

até que seria legal se não tivesse alunos...


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ALCIONE – Eu nem me importo em ficar cumprindo horário com a

escola vazia! Acho até bom!

DEDEA – (SUSSURRA) Onde fui parar! No meio de umas

professoras medíocres…


VEROCA – (DEBOCHADA) Quero ver você repetir esse discurso

bonito depois que o bicho pegar aqui. Quero ver você repetindo a

pedagogia do amor quando o malandro vier drogado na sua mesa

pedir a nota dele te ameaçando com uma arma na mão…


DEDEA – Arma na mão?


MEMÉIA – Mas não precisa se ofender. Só que esse teu discurso

não funciona aqui.


DEDEA – Mas nós podemos mudar o mundo. Quando eu mudo, o

mudo muda.


VEROCA – Tem razão. Mudo de mudo sem voz. Calado. Tú fica na

tua que eu fico na minha.


ALCIONE – Vamos fazer a divisão das turmas? Quem quer sexta

série?


VEROCA – Pelo amor de Deus me dá sétima e oitava que eles já

estão acostumados comigo. Não me bota com pirralho que grita

que eu não tenho mais idade para isso.


MEMÉIA – Eu quero! Ano passado eles eram tão bonitinhos, tão

comprometidos... Na quinta série faziam de tudo até traziam o

material. Mas eu não sei o que acontece nas férias da quinta para a

sexta... Deve ser o caminhão do mosquito da dengue que intoxica a

cabeça deles. Esse ano, hunpf, nem a lição de casa devem fazer.

Mas eu prefiro continuar com a mesma turma pelo menos eu já

conheço as pestes.


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DEDEA – Vocês conhecem a Tania Zagury? Ela tem um livro

falando sobre Acompanhamento escolar, se não me engano. Se

chama "Escola sem conflito" ou alguma coisa parecida. Procurem

saber, dizem que o livro é excelente.


VEROCA – Acompanhamento? Eu não sei não. O máximo que eu

acompanho um aluno é até a porta, na hora de mandar para a

coordenação.


MEMÉIA – Eu prefiro farofa e fritas. Para mim esse é o melhor

acompanhamento para fritar as galinhas da sexta série. Pra você

sobrou uma oitava, três sextas, duas sétimas e sete quintas séries.


DEDEA – Mas assim eu vou ter que preparar 4 aulas diferentes por

semana... Ainda bem que a gente ganha para fazer aula em casa.

Posso ser franca? Eu prefiro pegar os mais velhos. O diálogo é

mais direto.


ALCIONE – (BAIXO) Direto é mesmo, adoram mandar a gente

tomar no cú.


VEROCA – Mas você está chegando agora, vai ficar com o que

sobrou. Manda a 509 e a 610 para essa daí. (PARA DEDEA) Você

vai adorar. Eles são mais velhos. São bem francos.


ALCIONE – (BAIXO) Mas você não acha que ela vai se apavorar

logo de cara? Pode até ser perigoso. Você sabe que o filho do

Pastor é dessa turma não é?


VEROCA – Comigo ajoelhou, tem que rezar. O que não mata

engorda. Deixa ela cair de boca com o melhor que a escola pode

oferecer.


DEDEA – Preciso preencher aqui na apostila: Qual é o perfil dos

alunos aqui?


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MEMÉIA – (PAUSA LONGA)Estranhos. Muito estranhos.


DEDEA – Como assim?

ALCIONE – Wanderley por exemplo é aquele adolescentes típico

que só anda de preto e não fala com ninguém. Ele tem umas

marcas porque corta os pulsos com Gillete e diz que sente prazer,

vê se pode. E ele tem tem tanto piercing, que mais parece uma

vitrine de piercings.... Tem também o Welmington... Aliás eu tenho

um medo do cacete do garoto. Ele fica me seguindo pela escola

toda... Ajuda a carregar o retroprojetor, as pastas... Fica na janela

vendo a aula e pede para assistir. Um dia ele acabou assistindo a

mesma aula 7 vezes. Eu tive que gritar para ele sair da sala e ir pra

turma dele para assistir o outro professor. Acho que esse vai ser

químico.


VEROCA – Só se for pra vender êxtase.


MEMÉIA – Os da quinta série grudam na gente de uma tal maneira

que não dá para escapar, onde você vai as criaturinhas estão atrás.

Parecem um carrapato. Vêm correndo e grudam em mim... E não

tem nada no mundo que faça te largar. Parece um rabo. A pior é a

Glória. A menina acha que é minha dona, morre de ciúmes, não

posso falar com nenhum aluno ou aluna que a doida dá chilique. Vê

se eu mereço?!


ALCIONE – Eu detesto aquelas meninas que querem virar você. “Ô

Tia! “Qual é nome do esmalte que a senhora usa? Vou comprar

igual.” “Ô tia! Qual a cor da tinta do cabelo que a senhora usa? Vou

usar igual.” Você entra na sala e tem três iguais a você.


VEROCA – O Anderson acha que é flanelinha e fica cuidando do

meu carro na porta da escola ainda me pede dois real. Dois real pra

que? Eu lá vou dar dinheiro pro garoto comprar maconha? Eu

gostava do Andinho, aquele viadinho que virou travesti lá em

Madureira. Ele gostava de trazer lanche pra mim. Um dia trouxe

uma maçã. Eu olhei aquela merda meio podre e disse que não

comia fruta. Aí o cara perguntou o que eu gostava que ele trazia...


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Eu cheguei junto e falei. Malandro, quer me agradar? Então me traz

um sacolé de dez. Bom garoto! Esse passou de ano comigo.

ALCIONE – Eu tenho um aluno muito estranho!!! O João Victor. Ele

participa das aulas!! Acho que ele realmente quer aprender alguma

coisa. Ele resolve todos os exercícios, é educado, ajuda os colegas

e ainda estuda em casa!!!


DEDEA – E isso é estranho?


VEROCA – Aqui é.


MEMÉIA – (PUXANDO DEDEA NUM CANTO) Mas você tem que

se preparar para a Maria Eduarda. Porque ela está fazendo uma

readaptação à sociedade. O psiquiatra dela disse que ela tem

esquizofrenia. Eu acho que aqui na escola não é o melhor lugar

para fazer esse tipo de experiência, mas... A gente já tem milhões

de problemas pra resolver e agora estamos sem nenhum tipo de

orientadora pedagógica, aqui a gente não tem nem inspetor, o

pessoal da Comlurb que limpa a escola que acaba dando uma

força.


DEDEA – Mas como vocês se viram sem inspetor?


VEROCA – É que nem a Xuxa sem as Paquitas. Mandando calar a

boca. Senta Cláudia pra geral.


MEMÉIA – Então... E a Maria Eduarda, nós nunca sabemos como

ela vai reagir. Pra você ter uma ideia, no final do ano passado, eu

sem querer toquei no braço dela. Nada demais, como eu faço

normalmente com os meus alunos. Menina, por pouco não levei um

soco. Eu vi quando ela fechou a mão assim e me olhou de cara feia

e falou: Sai sua vaca!


DEDEA – Que você fez?


MEMÉIA – Eu saí, que eu não sou louca!


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DEDEA – Isso eu vou tirar de letra. Me sinto bem preparada com as

disciplinas de didática para trabalhar com alunos assim especiais!


MEMÉIA – Tomara. Porque a gente nunca sabe como ela vai reagir,

às vezes parece estar num mundo à parte, não participa das aulas

ficando olhando o teto e babando.


VEROCA – Tem dias que ela parece totalmente emaconhada rindo

sem parar! Você não consegue fazer nada, fica aquela piranha as

gargalhadas... A bicha é feia pra cacete, mora com a vó obesa que

é totalmente piroca... Piroca da cabeça... Essa porra fica rindo de

que?


ALCIONE – Totalmente descacetada.

DEDEA – Desculpa, mas eu não acho correto vocês discriminarem

alguém só porque é especial. A inclusão hoje é uma realidade...


MEMÉIA – Não é discriminação, mas é que às vezes a gente passa

por cada situação!


VEROCA – Imagine você: a sala de aula lotada; Maria Eduarda se

levanta e grita: “Eu quero uma piroca dentro de mim agora!” Eu

falei: sossega malandra, eu também quero nem por isso eu vou

ficar por aí gritando!


MEMÉIA – Você pode imaginar o constrangimento?


ALCIONE – E os outros caíram em cima, sacanearam ela o ano

todo. Ela passava e era o corinho: “Ôh da piroca”...


MEMÉIA – Mas isso não é o pior, o pior é quando a Coordenadoria

indica um aluno para a matrícula na escola. Tem que ter uma vaga

pro dito cujo... É um caso especial, digamos assim... Ou melhor...

são mais que especiais... Que passaram por... uns maus pedaços...


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vamos dizer assim. A coordenadoria não explica exatamente o que

é.


ALCIONE – Quando começa a furar teu pneu e sumir a tua carteira,

você descobre que o “mau pedaço” que o menino passou é a

FEBEM.


VEROCA – Tudo coroinha lá do Padre Severino.


DEDEA – (CHORANDO) Ai meu Deus, onde eu vim parar!


ALCIONE – (SE APROXIMA DE DEDEA, COM A CALÇA JUSTA E

AVOLUMADA NA ALTURA DO SEU OLHAR) Calma garota, o

negócio nem começou. Quer lexota?


DEDEA – Ver xota? (DE CARA NO GOL)


ALCIONE – Toma aqui. Bebe com água com açúcar, meu bem.


DEDEA – Eu acho que eu não tenho estrutura para ver crianças

assim tão problemáticas com vidas tão sofridas...


VEROCA – A mãe do Gohan obriga ele a frequentar a escola por

causa do Bolsa Família... Você acredita?


DEDEA – Assim também é exagero... Dizer que criança só vem

para a escola para comer...


ALCIONE – Tenta deixar essa cantina fechada algum dia... Uma

merendeira foi abatida que nem uma vaca. Nunca acharam o corpo.


MEMÉIA – Mas teve churrasco no dia seguinte...


CENA 3 – ALUNO BOM É ALUNO MORTO


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VEROCA – Eu queria morar nos Estados Unidos. Lá é que é bom.

Lá não tem essa de “de menor” não. Mandaram prender uma

menina que só tinha 5 anos porque ela arrancou a orelha de uma

de 4. Mas que mordida! Saiu algemada do jardim 3. Ai que inveja!

Mas ainda bem que o "pessoal da comunidade" faz parte do

programa "AMIGOS DA ESCOLA"...


DEDEA – Que ótimo. Estudos revelam que nas comunidades que

os pais são participativos, o rendimento escolar e a integração dos

alunos e professores...


ALCIONE – Não minha filha, “Amigo da Escola” é como a gente

chama o pessoal do movimento. É só a gente fazer queixa que o

garoto some. Tinha um pretinho, qual o nome dele, um bem preto o

da história do lápis... Alexandre, não.. Alexandire! O garoto ficou a

aula toda apontando um lápis... apontava e verificava a ponta. Até

que o outro foi sentar ao lado dele, ele botou o lápis assim em riste

na cadeira. O menino teve perfuração de intestino, lembra?

Sangrando pela bunda... eu tive que levar o garoto no hospital...

Achei um absurdo e fui fazer queixa lá dentro... Quando foi dois

meses depois, o Alexandire reapareceu... Uma beleza. Dizem que

cortaram o... Quer dizer, dizem...


MEMEIA – Ah Dedeia, Dedeia né? Não acredite em tudo que falam

por aqui também não. Tem muita ficção... Esse povo exagera

demais.


VEROCA – Exagera nada, eu mesma pulei no muro lá do final do

corredor e vi o presunto fatiado, sem a capa de gordura. Aluno bom

é aluno morto!


DEDEIA – Ah é de presunto. Eu quero. Adoro presunto (COME UM

BOLO DE ATUM)


VEROCA – É isso aí. Aqui pra gente se virar tem que usar

linguagem deles. Outro dia vi uns policiais dando uma prensa num

pessoal que tava fumando unzinho lá na porta da escola. Meu


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irmão... Eu tava meio engasgada com um a situação vivida com o

Claudionor... Aquela história de terem metido o meu celular... Que

eu não gostei. Ninguém me tira da cabeça que foi ele. O pessoal lá

de dentro até ficou sabendo e me mandaram um aparelho novo

cheio de merdinha.


DEDEA – Você aceitou?


VEROCA – Vou negar um presente? Tá maluca? Deixa eu contar

garota, não me interrompe. Os poliça dando dura e eu... Opa que

tive uma idéia aqui! Cheguei junto do Andinho, aquele viadinho que

eu falei... Disse que dava a ele 1 ponto por cada mutuca de 100. O

garoto me passou um quilo e meio. Faz as contas. Tirou 10 comigo!


DEDEA – Mas se ele te deu um quilo e meio, ele teria direito a 15

pontos.


VEROCA – É que tú é boa em matemática, mas o Andinho não. Dei

a volta nele em meio quilo.


VEROCA – Voltando... Dei dez reais prum outro filho da puta

colocar o material, diga-se aliás de primeira, na mochila do puto do

Claudionor... e etecetera e tal.


DEDEA – Você teve coragem?


VEROCA – Escuta só a inteligência da garota! Peguei meu celular

novo, cheio de nove horas, fui no banheiro e puxei um fio pro o

disque denúncia... “Panhei” meu cafezinho e fui para a janela pra

poder ver de camarote a prisão em flagrante do marginalzinho na

saída da escola. Um quilinho e xilindró...


DEDEA – Não era um quilo e meio?


VEROCA – Caraca, a garota é ligada na matemática... E o

pedágio?


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DEDEA – Que você fez com esse meio quilo?

VEROCA – Brigadeiro porra!


ALCIONE – Vou te falar uma coisa: Para mim, sinceramente? Esse

negócio de Piaget... Eu prefiro o Pinochet!


DEDEA – Nossa, que sensibilidade. Esse seu grito de guerra ao

menos diz ao que veio. Bem vou começar programando a aula da

609.


ALCIONE – Essa turma aí, é só L.A.


DEDEA – O que é L. A?


ALCIONE – Liberdade assistida.


DEDEA – Como assim? Vou dar aula para marginais?


ALCIONE – Ih, a menina vai ficar impressionada.


MEMÉIA – Deixa, que é bom. Se alguém tivesse me dado essa aula

quando eu comecei, não teria tido um monte de dor de cabeça.


VEROCA – Neguinho que rodou por assalto a mão armada, tem

vários por roubo de carro, tráfico de drogas e o Edinho que era

seqüestrador. Agora esse moleque... Vou ser sincera, conheceu

ele?


ALCIONE - Não esse eu só ouvi falar, ainda não trabalhava aqui.


VEROCA – Tú pegou ele Meméia?


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MEMÉIA – Não cheguei a pegar ele não. Dei aula pro irmão dele, o

que levou um tiro na cabeça.


VEROCA - Eu me amarrava no moleque. O malandro era o aluno

mais educado da classe.


MEMÉIA – Isso todo mundo falava. E ele era bonitinho. Eu lembro

dele...


VEROCA - Neguinho tinha tanto medo dele que a sala de aula

ficava um cemitério. Tudo quieto e mudo. Que nem anjinho. Uma

maravilha de trabalhar, mas aí prenderam o garoto... Tú chegou a

ver no Wagner Montes? Até gravei, mostrei pro meu marido. De

repente eu trago a fita pra vc ver... Tá em Bangú 3 agora.


CENA 4 – OS “ROLUDO” DE DAR ÁGUA NA BOCA


ALCIONE – Você deve tomar cuidado para não dar bobeira pelos

corredores sozinha depois da aula. Tem que tomar cuidado com os

tarados.


DEDEA – Tarados? Mas não são crianças?


ALCIONE – Você ainda não viu nada. Eu tenho cada aluno roludo

que Deus me perdoe. Dá até água na boca.


MEMÉIA - Um aluno da quinta série tentou esfregar o bingolim dele

no meu joelho. Aquele interruptor de parede... Porra se liga né!


ALCIONE – Eu tenho um monte de aluno tarado. O Enoque fica

esfregando a cara nos meus peitos. O dia todo! Que nojo!


DEDÉIA – Desculpa, mas conta direito essa história! Porque você

não manda ele parar?


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ALCIONE – O Enoque é filho do pastor. Vou fazer o que?


DEDEA – Poxa, o filho do pastor deveria ter um comportamento

mais ameno, não é?


VEROCA – Aqui tudo é diferente. Até o pastor.


CENA 5 – QUERO SER A PROFESSORA HELENA


ALCIONE – (AJEITANDO A TELEVISÃO ATRAVÉS DA GRADE)

Eu tenho inveja da Professora Helena do Carrossel. Eu queria

trabalhar na escola da Malhação, da Chiquitita, até da Rebelde eu

ia gostar. Meu sonho era entrar na sala e ouvir aquele corinho:

“Bom dia professora! Aí eu peço para eles sentarem. Crianças,

abram a apostila na página 12. Vravravá... Posso ouvir com clareza

o barulho das páginas girando. Porque eles têm caderno. Eles têm

livro. Eu pego o meu giz. Vamos preparar o cabeçalho crianças! E

escrevo no quadro: Rio de Janeiro, 2 de Junho de 2010. Quem

poderia falar sobre as Capitanias hereditárias? Cirilo aquele

pretinho se levanta e fala: Professora, as Capitanias hereditárias....

(FALA MUDA) A Maria Joaquina completa.... (FALA MUDA)... Todo

mundo criado no danoninho. Aí, você faz uma pergunta e logo em

seguida, pelo menos 3 alunos te dão ótimas respostas. São todos

inteligentes. A aula corre feliz até que o Mocotó bate na porta e

pede licença para entrar... claro Mocotó, pode entrar... o Icaro Silva

está aqui também? Se o Cabeção está conversando basta você

pedir apenas uma vez... e os alunos já estão comportados e

fazendo os exercícios. Nenhum deles responde para o professor.

Ah como sou feliz.... Fernanda Souza como você cresceu! Sim,

vocês devem tudo a mim meus alunos queridos! Eu ensinei vocês!

As aulas duram apenas 10 minutos. Eu também quero ser

professora dos alunos da televisão! Vamos recitar Camões! E ouço

um som... Um som contagiante... Não posso acreditar! Vamos todos

de mãos dadas para o pátio da escola e lá estão... A Marjorie

Estiano nunca deixou de responder a chamada por estar

conversando; Ah e o Cauã... sempre participativo e nunca matou

aulas para ficar namorando... Ah! Eu sou Rebelbe!!!!!! Cantamos

todos, aplausos, obrigada.... Obrigada Sidnei Poitier... Ao mestre

com carinho!


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DEDEA – Ah vocês estão de implicância comigo. Agora eu entendi

que vocês estão é de implicância. Se bobear, tudo isso aí é exagero

da cabeça de vocês só para amedrontar. Vocês aumentam tudo.

VEROCA – Eu queria mesmo um aumento. Mas aumento de salário

e não de carga horária!


MEMÉIA – Mas a realidade nossa é bem diferente. Parece que

vivemos uma guerra velada. De um lado os professores, de outro os

alunos. Algumas mães desocupadas sentadas na quadra da

descola e a secretária de educação lixando a unha no gabinete. Se

lixando. Eu tive a certeza disso quando o professor Fernando de

História sofreu um acidente de carro na Brasil saindo da Escola. O

pneu do carro dele foi esvaziando, esvaziando até ele perder o

controle e bater de frente com um caminhão de cerveja. Ele ficou

entre a vida e a morte. Um caso seríssimo. No dia seguinte, a

esposa dele liga em prantos dizendo que parecia que o acidente

tinha sido criminoso, que o pneu tinha um mecanismo tosco que ia

esvaziando o pneu no caminho. Algum aluno deveria ter feito isso.

Provavelmente o Jonathan que jurou ele de morte. Nós reunimos

todos no pátio para comunicar aos alunos que o professor se

ausentaria e que nós deveríamos rezar por ele.


VEROCA – A reação deles foi imediata. Parecia Gol do Brasil no

final da copa do mundo.


DEDEIA – Não estou entendendo. O que aconteceu?


MEMÉIA – Uma festa. Os alunos fizeram uma festa para

comemorar que não teriam aula porque o professor Fernando

estava em coma no UTI.


DEDEA – Que horror! E o professor Fernando? Morreu?


ALCIONE – Na verdade ele acabou se dando bem porque pegou

uma licença médica de um ano e o melhor de tudo! Conseguiu a tão


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sonhada transferência daqui. Bem vinda à realidade querida, pegue

a sua chamada e divirta-se. Essa é a sua vida agora.


CENA 6 – O SURTANDO COM OS NOMES


DEDEA – (DELÍRIO... SOZINHA COM A LISTA DE CHAMADA.

COMEÇA A RIR LEVEMENTE, DEPOIS PERDE O CONTROLE)

Willian Jhonathan, Wilperteson, Wellmington, Rociel, Kíssila,... Eu

não posso fazer a chamada e ficar gargalhando a cada nome.

Imagina: Sanderleni sabe porque a Maxilene faltou? (ROMPANTE)

Como eu vou fazer? Vou fazer a chamada pelo número. Ou então

vou chamar de “Coisinha” que é menos constrangedor que esses

nomes escrotos que eles têm. Eu resolvi pesquisar o porquê desses

nomes bizarros... Por exemplo: Layslla... Sabe o que eu descobri?

Essa veio da música da Madona, sabe La Isla bonita? E a pobre

coitadinha não tem nada de bonita, muito pelo contrário: um

trubufú... Enfim... Agora, eu adorei mesmo a resposta de Iuli. Ela

disse que “era por causa do filme, tia... Free Willy”. O “Top Ten”, as

da minha chamada, são as variações do casal 20: Jenifer e Jonatan

Hart, lembram? No Brasil eles viraram: Denifer, Dienifer, Zenifê,

Dionata, Dionatas e Zonatas. Tem os nomes da família do que

Ilson, deixa Dílson... Taílson, Joseilson, Djeison. E os gêmeos

Jáderson e Jéderson.

Nada pior que as fusões de nome da mãe com o nome do pai que

sempre dão em resultados impressionantes. Francisca Erlane.

Vanderson, Cleivamara, Cleidivania, Rosevaldo. Tem também as

variações da princesa: Greice Kelly, Leide Daiana, Neidiana,

Daiane, Daiana... Taiani, Tiani, Tuani, Rayanne e Daiani José. Eu já

notei que eu tenho alguns alunos famosos… Sidneymagal,

Marlobrando, John Lennon, José Hitler e Cashemerebuquê.


CENA 7 – SALVA PELOS FERIADOS


MEMEIA – Você já escolheu os dias que você vai trabalhar?


VEROCA – Alcione, pega o calendário aí e me diz. Os feriados esse

ano caem que dia?


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ALCIONE – Tem 5 feriados na segunda e terça. Eu botei tudo meu

na segunda e terça.


VEROCA – Bota aí pra mim também segunda e terça. Ah que

sede... Bebi todas ontem à noite e me recuso a ir para a sala de

aula. Vou ficar aqui preparando prova. Corrigindo prova... Vou tirar

um cochilo... Manda dispensar a 610.


DEDEA – Mas hoje é o primeiro dia de aula.

ALCIONE – Vem cá, ando tão cansada... Já não está na hora da

gente entrar de férias?


VEROCA – E olha que ainda nem começou o carnaval...

ALCIONE – Nada mais me consola.


VEROCA – Achei que você tinha um consolo.


ALCIONE – Lógico que eu tenho. Mas esse eu guardo no criado

mudo. Como é que é Dedea o teu lema? Quando eu mudo, o

mundo muda... O meu é o que me consola é o meu criado mudo!


VEROCA – Quando é o próximo feriado? 7 de setembro! Puta que

me pariu que data linda!!!!!! INDEPENDÊNCIA OU MORTE! Fala

sério. É um grito sensacional. Já estou torcendo para chegar logo o

feriado prolongado. A gente enforca o dia primeiro, já que o dia 2 é

de finados. Aí mata a aula do dia 3, enterra os ossos da festa no dia

4.


DEDEA – Vocês aqui costumam enforcar o feriado?


ALCIONE – (DEBOCHADA) Não, a gente sempre faz uma atividade

lúdica integrativa. Sabe, tipo uma recreação? No final do ano

passado o professor de educação física juntou todo mundo na

quadra e fez o concurso do Quadradinho de oito. Os alunos


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adoraram. Esse ano tem 3 grávidas. Mas esse ano eu não sei o que

a gente pode fazer... Ele quebrou o dedo...


MEMÉIA - E vai ficar de licença até junho - que inveja! Por que

ninguém quebra o meu dedo?!


VEROCA – A garotona aí podia fazer uma parada maneira. Um

negócio aí de teatro... Põe uma musiquinha... A rapaziada se

amarra.


DEDEA – Ah, a gente pode aproveitar e fazer uma peça. Quem

sabe Shakespeare, ou Brecht? Você me ajuda Meméia?


MEMEIA – (DESCONVERSANDO) Olha meu amor, eu não dou

aula na sexta senão te ajudava com o maior prazer...


ALCIONE – No dia que eu fizer alguma atividade extra, você me

interna que eu fiquei maluca.


VEROCA RONCA.


CENA 8 – A SANTA DAS PROVAS


VEMOS MEMÉIA VOLTANDO PARA CASA. OUVIMOS A BUZINA

DA SAÍDA DA BARCA. MEMÉIA CRUZA A CENA APRESSADA.

TEM DUAS BOLSAS BEM CHEIAS, ALGUMAS PASTAS, LIVROS

E PROVAS NA MÃO. ESTÁ VISIVELMENTE CANSADA. ELA

DEIXA CAIR UMA FOLHA NO CHÃO. O VENTO FAZ A FOLHA

VOAR. ELA PISA. É A PROVA DE UM ALUNO. TENTA PEGAR A

FOLHA, MAS COM OS VOLUMES QUE TEM NAS MÃOS ESSA

AÇÃO SE TORNA QUASE IMPOSSÍVEL.


MEMÉIA - (FINALMENTE CONSEGUE PEGAR A PROVA, SENTA-

SE EM TRÊS CADEIRAS E ESPALHA SEU MATERIAL. OLHA

PARA A PROVA) Ih, ficou com a marca do pisão. (PASSA UM

CUSPE NA PROVA, TENTANDO LIMPAR) Se ainda fosse a do


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Everton, mas logo da Mariúse... Ela é tão caprichosa! (VENTO

SOPRA NO SEU ROSTO) Está frio hoje (TENTA FECHAR A

JANELA) e essa janela está emperrada. Só não troco de lugar

porque vai dar muito trabalho... Deixa para lá. O mar está calmo!

Vou aproveitar o passeio para corrigir as provas. Cansei desse

passeio. Antigamente eu gostava de ficar aqui olhando o mar.

Acalmava. Agora me irrita essa lentidão... Tudo parado e esse mar

fedorento que não acaba nunca. Paquetá já foi um lugar bonito. A

gente vinha para cá andar de charrete, pedalinho, bicicleta... Passar

o domingo. Ver a Pedra da Moreninha. (REFLEXIVA) Eu tenho

medo da Pedra da Moreninha! (CORRIGINDO AS PROVAS.

IRRITANDO-SE) Meu Deus! Quanta idiotice! Como é que pode

escrever dessa forma? E isso aqui? Pelo amor de Deus! A gente

fala com essas crianças mas eles não querem saber de nada!

Antigamente os alunos só ficavam parados se a gente ameaçasse

tirar ponto. Era só falar: Vou te dar zero na prova! Ih, que maravilha!

Tinha um que até chorava. Nunca tive pena! (OLHA NOVAMENTE

PELA JANELA) Como é que o peixe consegue sobreviver nessa

imundície? (VOLTA A CORRIGIR AS PROVAS) Hoje é aprovação

automática. Eu reprovo mas a Secretária de Educação aprova. Eu

reprovo! (RISCANDO AS PROVAS COM SUA CANETA

VERMELHA) Reprovo! Reprovo! (RITA TREME DE ÓDIO.

PERDEU A NOÇÃO DE SI) Reprovo aqueles palavrões! Reprovo

Joana, Mariléia, (COMEÇA A FAZER A CHAMADA) João Pedro,

presente; Karine, reprovo; Luis Cláudio faltou! Solange, presente!

Waldir morreu! Matheus, presente! Eu vou fazer o que? Milagre?

(AS PROVAS SE TRANSFORMAM NO HALO DE UMA SANTA.

ELA VIRA UMA SANTA E ACENDE UM CIGARRO).


VEROCA ACORDA ASSUSTADA.


VEROCA – Acho que exagerei no brigadeiro.


VERÃO ou O INFERNO SE APROXIMA


SEGUNDO BIMESTRE


CENA 9 – O CHEIRO DA CARNE ou REUNIÃO PEDAGÓGICA


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ALCIONE ENTRA. OUVIMOS BARULHO DE CHUVA E GOTEIRAS

NO TETO. TEMOS BACIAS ESPALHADAS PELA SALA. TUDO

MOLHADO.


ALCIONE – Mas que merda! São sete da manhã, mal saí do carro

lá vem o Anderson me abraçar fedendo a suvaco; com a cabeça

toda suja de caspa e aquele bafo de onça perto de mim. “Deixa eu

olhar teu carro tia!”.. Meu Deus! Tenho vontade de jogar o infeliz

numa bacia com água, sabão em pó e deixar ele ali uma semana de

molho...


MEMÉIA – O que você fez?


ALCIONE – Não tenho pena; eu dei uma empuradinha de leve

afastando assim com a mão. O imbecil voltou como um ioiô,

empurrei novamente só que mais forte agora, o monstro voltou... Ai

eu gritei: Sai pra lá fedido, senão eu te dou uma moca!


MEMÉIA – No calor eu sou capaz de dar aula inteira perto da porta.

Aluno fedido é um sofrimento!!!


ALCIONE – Pelo menos a gente está sem professor de educação

física. Cheiro de caatinga misturada com suor... Sinusite crônica

passa a ser uma benção de Deus!


MEMÉIA – Que horror. Sem comentários, com a falta de higiene de

alguns alunos. É simplesmente insuportável.

ENTRAM VEROCA E DEDEA. DEDEA CHEIA DE PASTAS, TODA

ATOLADA, CHEIA DE TRABALHOS DECORADOS DE PAPEL E

PROVAS. VEROCA COM SEU GUARDA CHUVA ABERTO

DENTRO DA SALA.


DEDEA – Foi ótima a idéia de pedir para eles escreverem sobre a

realidade em que vivem.


MEMÉIA – Cuidado para a goteira não molhar.


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DEDEA – (PASSA EM BAIXO DE UM MEGA GOTEIRA.

PREOCUPADÍSSIMA) Ih! Manchou. Pena que não vai dar para ler

nada.


VEROCA – Vamos meninas, a antiga professora de teatro vai

aparecer na televisão. Liga aí a televisão.


ALCIONE – Essa merda de televisão só chia.


VEROCA – (QUE JÁ ESTÁ SENTADA. SEM SE MEXER DA

CADEIRA) Minha filha, tenha um pouquinho de paciência e vai lá

ajeitar a antena pra gente.


DEDEA – Que antena? Esse fio aqui é o que você chama de

antena?


ALCIONE – Coloca esse pedacinho de bombril para melhorar a

imagem.


MEMÉIA – Nossa, essa t.v chia tanto que parece aquele furacão

katrina. Olha, tá aparecendo a imagem.


VEROCA – Fica aí Dedea, pára... Ô garota, não se mexe.


DEDEA – Ah, entendi, a antena sou eu. Só não quero tomar

choque.


MEMÉIA – Silêncio.


APARECE UM TRECHO DE CARROSSEL E AS CRIANÇAS

GRITANDO: VOZES EM OFF DE CRIANÇAS “- Ah, professora

Helena!”


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MEMÉIA – Meu Deus, por que eu não tirei uma foto com ela antes

dela ficar famosa! Agora ninguém vai acreditar que nós somos

amigas.


VEROCA – Isso merece uma comemoração. No meu armário eu

tenho bolo.


MEMÉIA – Eu trouxe guaraná.


ALCIONE – Têm sanduíches no meu escaninho. O segredo do

cadeado é 3-5-9


BATE O SINAL.


DEDEA – Bateu o sinal, como eu faço para sair daqui?


VEROCA – Alcione, avisa que a professora Dedea vai dispensar a

aula hoje. Eu também vou liberar a 801.


MEMÉIA – Então manda liberar a 509.


ALCIONE – Eu falo o que?


VEROCA – Ué?! Estamos em reunião pedagógica!


MEMÉIA – Vocês repararam que o vidro aqui da sala quebrou de

novo? Mas dessa vez eu não achei o projétil.


ALCIONE- Eu achei e já coloquei no pote. (UM POTE ENORME

CHEIO DE BALA PERDIDA)


MEMÉIA – Nem sei se vale a pena mandar consertar o vidro,

porque toda hora quebra.


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VEROCA – Vou pegar comida, alguém quer?


ALCIONE – Estou de regime. Trouxe uma salada de casa.


MEMÉIA - É o que hoje?


VEROCA – Eu não sei se é ovo ou galinha.


MEMÉIA – Ovo eu não quero, nem dobradinha. Mas se for frango,

traz um pouquinho pra mim.


DEDEA – (CONSEGUE SE DESVENCILHAR DA ANTENA DE TV)

Eu trouxe uma marmitex. Dessas que são elétricas. Eu não me

adaptei muito a refeição daqui.


COLOCA A MARMITA NA TOMADA, A TELEVISÃO QUEIMA.


MEMÉIA – Puta que pariu! Logo agora que ia passar o RJ. ...


ABRE A MARMITA. AUMENTA O VOLUME DO SOM DAS

CRIANÇAS DO LADO DE FORA. PARECE UMA AGITAÇÃO.

BLACK BLOCS. CRIANÇAS ESMURRANDO A PORTA. QUEBRA

QUEBRA.


ALCIONE – Isso é cheiro de carne? Tá louca? Fecha essa marmita.

Nós corremos até risco de vida com esse cheiro. Ninguém vê carne

por aqui.


DEDEA – Que eu faço? Mas é contra filé, nem é mignon!


FECHA A MARMITA. O BARULHO CESSA.


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ALCIONE – Pronto. O cheiro dispersou. Eles não podem sentir o

cheiro de sangue... São canibais! Contra filé aqui é luxo garota.

Hoje você vai almoçar o que a Veroca trouxer.


VEROCA VOLTA COM TRÊS PRATOS DE PLÁSTICO E TRÊS

COLHERES. E UMA CASCA DE BANANA NA CABEÇA.


VEROCA – Neguinho tá fazendo guerra de comida lá na cantina.

Um alvoroço. Disseram que tinha carne no bandejão, que não sei

quem disse que tinha carne... Começou uma confusão... Um garoto

abriu a asa de morcego, rodou o teto... Outro com dente de

vampiro, um lobisomen... Parecia filme de terror.

DEDEA – Tudo isso por um contra filé mal passado.


ALCIONE – Por isso que eu só trago salada.


DEDEA – (OLHANDO PARA O PRATO DE PLÁSTICO,

SEGURANDO A COLHER, MEXENDO UM GRUDE DE ASPECTO

ASQUEROSO) Não me adapto a esse regime.


CENA 11 – AS PROFESSORAS ASSASSINAS


MEMÉIA – (TIRANDO UM BILHETE DA PILHA DE CADERNOS

QUE ESTÁ NA SUA MESA) Olha o bilhete que eu li hoje no mural:

“Professoras Assacinas.” Assassino é você. Assassinou o

português Escreveu assassinas com dois SS e c. “ bom” com b

minúsculo, “eu reconheço q existe alunos q ñ dá para aguentar

relmente.” Tá escrito relmente, sem o a. “em alguns casos eu faço

parte deles (mas so quando eu quero ou o prof. esta na minha lista

negra)”. Não tem um acento nessa merda! “mas vc's tem q convir q

as veses” vezes com s, lógico. “tb são insuportaveis, muitos de vc's

(professores em geral) estão entalados na minha garganta, tive

alguns professores q eram totalmente idiotas, ignorantes, chatos,

desinteressantes e muitas veses” vezes com s. “até burros, pois na

minha opinião inteligencia ñ é saber algo e sim saber debater o

msm.” O que é msm? Msn? Ser inteligente é entrar no MSN?


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ALCIONE – Deixa ver. (PEGA O PAPEL) Deve ser abreviatura de

mesmo. Debater o mesmo. Debater o mesmo não é coisa de aluno.

Dedea, foi você quem escreveu isso?


DEDEA – Eu? Por que eu faria isso? Chamar vocês de Professoras

Assassinas?


MEMEIA – Continuando... “Bom emfim” com m “so estou

escrevedo” escrevedo é demais! “para espor” com s “aqui os dois

lados.” E ainda arremata: “ pode deixar q vc ñ esta na minha lista

negra.”(IRONICA) Ainda bem, ia ficar preocupadíssima... Que eu

faço agora?


ALCIONE – Me dá essa merda aqui. Isso vai ter troco. Vou escrever

uma resposta e colocar no mural. Eu, como professora, gostaria de

dizer que o ser humano do bilhete ao lado deveria ter aproveitado

melhor suas aulas, ao invés de ficar analisando seus professores e

filosofando sobre o que é inteligência... Assim, hoje ele saberia que

"interessante" se escreve com "ss", "vezes" é com "z" e "expor" é

com "x", entre outros errinhos que percebi. Pronto. Vou deixar os

dois bilhetes no mural um ao lado do outro.


VEROCA – Quer dizer que nós somos agora as Professoras

Assassinas! Se eu vou levar a fama, vou deitar na cama!


MEMÉIA – A que ponto nós chegamos! Eu me matando de dar aula

pra esses imbecis, e é isso que a gente recebe como paga?! Não

aceito desaforo de pivete e eu tenho que impôr respeito sim, o que

que é isso?


DEDEA – Sinceramente, a gente precisa arrumar um lugar para

extravasar as nossas frustrações, senão a gente é capaz de um dia

acabar matando alguém. De verdade.

VEROCA – Eu morro de vontade de fritar uns pestinhas em óleo

quente. Chego a ouvir o barulho da fritura borbulhando. Me dá até

água na boca.


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ALCIONE – Quem nunca sentiu vontade de esganar um aluno?

MEMEIA – Eu preciso confessar uma coisa pra vocês. Eu sou

adepta do beliscão. Eu acho o beliscão altamente educacional.

Tanto pra quem leva quanto pra quem assiste. As crianças se

divertem em ver outro se fudendo... Mas agora eu ando

aprimorando minhas técnicas... Eu ando com um alicate escondido

na bolsa...


ALCIONE – Já usou?


MEMÉIA – Ainda não. Mas eu sei que ele está ali para qualquer

eventualidade. Além do cascudo que eu volta e meia distribuo. Esse

é bom que não deixa marcas. Fecha o dedo assim. E soca. Com

gosto.


ALCIONE – Eu já puxei um aluno pela orelha com tanto ódio, mas

com tanto ódio que rasgou uma parte. Aí eu pensei. Exagerei. Isso

vai dar merda. No dia seguinte... nada. Ninguém reclamou, nem na

semana seguinte, nem no mês seguinte. Aí eu fui procurar saber

porque ninguém tinha reclamado. Descobri que o menino morava

só com uma avó velha e cega.


MEMÉIA – Talvez eu não consiga a transferência daqui para outra

escola por causa daquela história de ter arrastado o Herivelto pra

fora de sala e jogado ele na cesta de lixo.


VEROCA – Falando em lixo. Estou pensando em dar um aula extra

de reciclagem. Vai ter festa junina lá no terreirão do samba. E eu

combinei com a diretora de fazer uma excursão de início de ano

para pagar umas faltas que a piranha me abonou. Tô pensando em

aproveitar e descolar uma grana. Eu sento ali no Balança e vou

abrindo minhas latinhas de skoll, e passo uma gincana. Mando todo

mundo catar latinhas. Pobre se diverte com qualquer coisa. Se eu

levar 30 crianças descolo o que? 30 contos! Não é nada, não é

nada, já garante o Wellaton!


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DEDEA – (DELIRANTE) Outro dia eu estava na TPM e olhei

aquelas crianças na sala correndo e gritando... Me deu uma

vontade de brincar de forca! A queda da Bastilha. “Não tem pão?

Mas porque eles não comem brioches?” E enforcar geral.


ALCIONE – Professoras Assassinas. Boa idéia. Eles adoram filmes.

Pois amanhã eu vou passar na sala de vídeo o filme do Jackass.


DEDEA – Jack ass? O que é isso?

ALCIONE – O que pode nos salvar! São uns delinquentes

americanos fazendo coisas bizarras. Eles se socam, tomam

choque, tudo de brincadeira... O que eu mais gosto é o que eles

enfiam um carrinho no rabo de um e vão no médico e tirar o raio x.

A cara do médico é ótima.

DEDEA – Não entendi porque isso pode ser a nossa salvação. Mas

o que isso tem de educativo?

MEMÉIA – Mensagens subliminares. Isso tem poder!


CENA 12 – FOBIA ESCOLAR


ALCIONE – (ENTRA NA SALA TREMENDO) Eu não aguento mais

isso, não aguento mais! Saí da sala agora e ouvi aquele grupinho

de marginais da quinta série conversando entre eles... “Essa

professora tem um bundão! Queria meter nesse cú dela! Essa filha

da puta me reprovou por meio ponto!”. Não é um absurdo? Esse

olhar pra minha bunda eu já nem ligo mais, agora será que eles não

entendem que é mentira dizer que eu reprovo por meio ponto. Pelo

amor de Deus, todo mundo sabe que meio ponto na média na

verdade, são cinco pontos! Quando eles vão entender isso?!


DEDEA – (COM A MÃO NO PEITO) Estou com taquicardia! Hoje foi

um tal de morrer vó! Era dia de entregar o trabalho e 5 vós

morreram. No último grupo eu não aguentei e falei... Nossa que

coincidência, essas avós todas moravam no mesmo asilo, ou vocês

aqui são todos primos? Aí a Rachely disse que não tinha trazido o

trabalho. Eu falei já sei tua vó também morreu? Ela com a maior


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cara de pau falou assim: não foi meu cachorro! Ah tenha paciência!

A melhor desculpa de todas foi a da Berenice. Ela falou assim: “tia,

é que eu dei o meu trabalho pra Daiane copiar mas a Daiane não

devolveu!” Eu falei bem feito! Quem vai ficar sem nota é você!


VEROCA – (ENTRA NA SALA EM ATITUDE PARANÓICA) Vocês

já perceberam que tudo que se passa aqui na reunião de área

chega aos ouvidos da nossa "Dira" 5 minutos depois? Ninguém

sabe, ninguém viu. Será que tem escuta aqui na sala dos

professores? Microfone no arranjo da mesa? Câmera escondida?

Ninguém descobre quem é o língua de trapo!!!


MEMEIA – Calma meninas, vocês estão sofrendo de uma distúrbio

psicológico chamado "Fobia Escolar". Alguns sintomas podem ser

palpitações, tremores em virtude do comportamento dos "anjinhos"

dentro da sala de aula.

DEDEA – Você tem razão, desde que eu comecei a dar aulas aqui,

já me sinto estressada, minha imunidade já baixou, peguei vários

resfriados, herpes, etc... A minha garganta está doendo direto. E o

giz está me deixando com falta de ar. Estou sucumbindo.


VEROUCA – Drogas! É isso! Já sei o que fazer para a gente se

livrar dessas drogas! Vamos aplicar provas todo dia, provas toda

semana, provas a cada tempo de aula, vamos aplicar provas no

recreio e no almoço! Raciocina comigo: A gente sabe que eles só

têm merda na cabeça. E que quando chove e faz sol no dia

seguinte nascem cogumelos na merda da vaca. Aqui só tem vaca.

Nós temos em mão um enorme pasto de cogumelos. Cogumelos

alucinógenos, venenosos que podem até matar. Não crus, lógico...

Precisamos botar o cérebro deles para ferver, para cozinhar os

cogumelos alucinógenos e liberar as toxinas... uma morte lenta,

limpa... Eles vão morrer com a própria merda que tem na cabeça!

Vamos fritar o cérebro com equações de segundo grau!


ALCIONE – Genial! Eles vão se drogar com eles mesmo? Se auto-

drogar?!!!


OUTONO ou AH TÁ!


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TERCEIRO BIMESTRE


MEMEIA – Vim da reunião de pais. Vontade de matar a mãe do

Serjão. O garoto tem 17 anos, quase dois metros de altura, está na

sexta série pela terceira vez. Daqui a pouco se gradua nessa

merda. Bacharelado em sexta série! Não assiste aula, quando fica

na sala, é ouvindo ipad, ipod, sei lá uma dessas merdas que ele

deve ter roubado por aí. Quando é dia de prova fica parado

esperando a pesca cair do céu. Só tirou nota vermelha, abaixo de 4

em todas as disciplinas. Até com o teatro daquela lá. Aí vem a mãe

dele: Fui falar com ela sabe o que ela disse? “Ah, tá.”

DEDEA – Como assim?


MEMEIA – Ela disse ”Ah tá”, virou o rosto e saiu como se não fosse

com ela.


VEROCA – Ih, já peguei esse garoto. Mas peguei ele na porrada

uma vez. Dei-lhe um soco no nariz. Quando a diretora chegou, eu

neguei tudo. Foi a minha palavra contra a dele. E o sangue

escorrendo... Ah tá!


MEMÉIA – Não foi só isso. Depois veio a mãe da Daiane. Fui

explicar pra ela que a garota não traz um livro, não faz um

exercício, que usa aquela saia que parece uma tiara de cabelo e

que todo mundo tá passando a mão na xoxota dela. A garota lá

também ouvindo tudo, quientinha. De repente o Laudecir começou

a rir, acho que foi na hora que eu disse que geral passava a mão na

xoxota dela, sei lá. Aí a garota empurra o Laudecir em cima de uma

cadeira que cai no chão com cadeira e tudo. Eu fiquei apavorada, o

que é isso? Isso é atitude de uma garota tomar? Sabe o que

aconteceu? A mãe da Daiane resolveu se explicar "É que estamos

nos separando, ela fica um dia com comigo, outro dia com o pai.” Aí

o pai começou a gritar pra mãe: ”Você não dá educação para essa

garota, Você não controla ela! Vai acabar piranha". Aí a mulher

batendo boca: " E você que não dá atenção a nada e só bebe?!"

Pegou a cadeira com Laudecir e tudo e jogou no ex-marido. Foi um

tal de voar cadeira! Quer dizer... Fiquei até com pena da garota.


CENA 13 OU I HAVE A DREAM


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VEROCA – I have a dream. Era uma festa na casa do Bin Laden.

Tava Andinho, Mauricio, uma mulecada aí da pesada. O exército

norte-americano, chegou... Mãos na cabeça! Hand on head! E me

agradeceu por ter encontrado o "mais-procurado-no-mundo". Aí eu

falei que não era só o Bin Laden que estava ali, mas que seus mais

fiéis seguidores estavam com ele. Aí eu vi o muro em que eles iam

ser executados e fiquei assistindo de camarote. Foi aquele taratatá

de metralhadora com o maior número de balas possível e total

execução da atividade. Aí foi decretado dia de Santa Veroca aí a

gente passava a ter 2 dias a mais nas férias de julho para emendar

com o feriado e agosto passava a ter uns dias de folga, já que é o

mês mais temido do ano além de fevereiro...! Só em sonho mesmo!


DEDEA – (CAINDO NO CHORO) Eu preciso desabafar... Eu fiz

uma coisa horrível! Um menino um desses que tem um nome

esquisito que a gente não consegue nem entender, parece o

capeta, o “você sabe quem”.... Entrou na sala de vídeo gritando

como se fosse uma arara no cio solta na floresta tropical. A minha

TPM me deixou louca e eu fui atacada por um furor uterino. E gritei

para que ele saísse da sala já que todos estavam esperando do

lado de fora.


VEROCA – Muito bem garota, se soltando... É isso aí!

DEDEA – Eu gritei até ficar com dor na garganta. E o você sabe

quem com toda a calma do mundo retrucou que não ia sair de lá. E

continuou sentado aquela bunda gorda na cadeira, colocando

inclusive os pés na cadeira da frente. Esparramado assim mesmo

na maior tranquilidade falou: vou te fuder, tua filha da puta...


VEROCA – Ih, vai dar merda...


DEDEA – Meu sangue subiu. A menstruação foi parar no couro

cabeludo. A minha vontade foi de tirar o ob e enfiar na boca dele.


ALCIONE – Nossa, você está pirando de vez.


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DEDEA – Aí, ele como um cowboy do velho oeste fez: pow, pow,

pow.

ALCIONE – Quando foi isso?


DEDEA – Ontem. Depois descobri que “o você sabe quem” era filho

do pastor e que o pastor é o traficante que ligou de dentro de Bangu

1 para saber porque o filho dele foi expulso de assistir o filme!

VEROCA – Pelo menos o pastor se importa com o garoto, eu sei de

pais empresários que nem sabem do ano escolar do filho.


MEMÉIA - Eu agradeço a Deus todos os dias por nunca ter

acontecido nada de realmente grave comigo.


VEROCA – Eu já me fudi. Um moleque jogou resto de cachorro

quente em mim, olhei aquele ketchup na minha blusa de seda...

Aquela mancha nunca mais saiu.


ALCIONE – Você se lembra da Terezinha, Veroca? A coitada

estava fazendo a chamada sentada na cadeira, quando a cadeira

simplesmente espatifou-se. Ela era gorda à beça, e bateu com a

nuca assim ó, no suporte de giz da lousa. Foi uma sangueira... teve

que ligar pro SAMU pra resgatar. A mulher ficou 15 dias com um

colar cervical, graças a Deus foi uma fissura, porque ela poderia ter

ficado paraplégica. (SUSSURRANDO) Vou falar baixo que as

paredes aqui têm ouvidos. A diretora falou que ela deveria escrever

um relatório sobre o acontecido para requerer a licença por acidente

de trabalho; só que a piranha disse que ela não deveria colocar que

a cadeira estava quebrada. Ela deveria colocar no relatório que ela

teria "sentado" em falso, porque do contrário ela estaria sujando o

nome da escola. Pode uma coisa dessa?


MEMEIA – Eu lembro, que ela ficou maluca, disse que não ia fazer

uma coisa dessa...


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ALCIONE – Ela fez um escarcéu até que resolveram aposentar

ela... Colocaram no diário Oficial que ela tinha ficado louca e

aposentaram a coitada por invalidez.


VEROCA – E essa aposentadoria é integral? Quer dizer, a gente

recebe o mesmo salário para ficar em casa assistindo a novela?

Porque eu fiquei muito interessada nessa história. Eu sou louca

varrida e estou doida de vontade de fazer uma maluquice. Vou

aparecer lá na Secretaria e perguntar quais são os documentos

necessários para me aposentar como louca. Eu e esse meu colega

de outra galáxia que só aparece para mim...


ALCIONE – Acho que a aposentadoria é integral sim... Eles não

queriam aposentar a Terezinha, mas ela contratou até advogado.

Ele vivia repetindo que era louca, que os alunos tinham deixado ela

louca! Verdade! Ela conseguiu marcar uma consulta com um

médico perito, aí esse médico nem examinou ela, olhou assim e

mandou ela embora. Lembra disso Veroca? A Terezinha contando...

é de mijar de rir. Ela disse que olhou para ele e começou a

perguntar: “Onde é que estava o pato?” E ele perguntou de volta:

Que pato? “Eu quero meu pato”. Ele ficou assustado, “mas que pato

minha senhora?” Foi quando ela baixou as calcinhas e fez xixi

dentro do consultório. Na hora o cara assinou a tão sonhada

aposentadoria integral. Como louca!


DEDEA CHORANDO NA MESA


DEDEA – Eu estou numa situação em que realmente acho que não

tem mais solução senão a morte. Eu queria ter o poder de olhar e

matar todos os alunos aborrescentes horrorosos que cruzam o meu

caminho. São todos uns merdas...E eles se acham o máximo... Eu

simplesmente não estou agüentando mais! Eu simplesmente estou

chateada, magoada e arrependida de ter escolhido o magistério. Se

eu pudesse voltar atrás voltaria. Aborrescentes são bostas e deixam

você pra baixo, eles não querem saber de nada, não querem

aprender, não querem ser educados, não querem virar gente nunca.

Eu preferia estar lidando com animais...


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MEMÉIA – (PEGANDO UMA MACHADA) Vou distribuir doces de

São Cosme e São Damião. Muito pé de moleque e cocô de rato.

Para ver se esse pessoal pega leptospirose.

DEDEA – O que é isso? O que ela vai fazer?


VEROCA – Deu a louca. De vez em quando ela acerta um, faz

picadinho e depois se acalma. Normal. Ninguém liga mais.


CENA 14 – BRINCANDO DE BONECA OU CORRIGINDO AS


PROVAS


TODAS AS PROFESSORAS ATRÁS DA MESA COM PILHAS

IMENSURÁVEIS DE PROVAS PARA CORRIGIR.


MEMÉIA – Quando eu era pequena, juntava as minhas bonecas e

brincava de professora. Enfileirava a Barbie, a nenezinha, a Suzy e

bancava a professora. Eu tinha um quadro verde, escrevia coisas

com giz colorido. Criava provas, fazia perguntas, gritava com elas,

chamava algumas de burra, dava beliscões e de vez em quando eu

colocava todo mundo de castigo.


DEDEA – Então você se acha realizada? Porque aqui o que a gente

mais faz é gritar com aluno.


MEMÉIA – Não. Meu sonho é usar a palmatória.


ALCIONE – Eu estou ensinando reprodução para a sexta série.


MEMÉIA – Para que meu Deus, para que? Você vem com o bê a

ba, eles trazem o kama sutra.


VEROCA – E olha que você fica dando idéia...


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DEDEA – Mas é super importante falar de sexo, porque eles

precisam se prevenir das doenças sexualmente transmissíveis, não

é?


VEROCA – Mais um motivo para você calar bem essa tua boca.


ALCIONE – Eu não consigo falar nada, é uma gargalhada, uma

zona... Eu vou explicar que a vagina... Aí eles ficam gritando

XOXOTA! Eles adoram gritar xoxota!


VEROCA – É o cio galopante.


ALCIONE – Eu falo para eles que os nomes vulgares eles podem

usar fora da sala de aula e que lá temos que falar em pênis e

vagina... Mas não são os palavrões o que mais me incomoda.


MEMÉIA – Eu não tenho nada contra o palavrão, até adoraria soltar

alguns no meio da aula.


ALCIONE – O que me incomoda é que... Estou até constrangida

(BAIXA A CABEÇA ENTRE AS PERNAS. TODAS AS OUTRAS

PARAM IMEDIATAMENTE DE CORRIGIR AS PILHAS DE

PROVAS E VÃO ATÉ ELA)


MEMÉIA – Pode se abrir querida, estamos aqui para te ajudar.

(ALCIONE NÃO FALA NADA AS OUTRAS SE OLHAM CURIOSAS)

Ai fala logo meu amor que essa curiosidade me corrói o estômago.


ALCIONE – Tenho um aluno que senta na primeira filha e olha

insistentemente para a minha... (APONTA A PERERECA)...


MEMÉIA – Perereca...(ASSOMBRADA) Hum!


VEROCA – Menina a que ponto chegamos!


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ALCIONE – Eu não sei o que faço... Eu não posso chegar para ele

e falar: meu filho tira o olho daí.


MEMÉIA – Você poderia usar umas calcinhas com dizeres

educativos: “aluno olhudo é aluno reprovado”.


DEDEA - Se fosse comigo iria pra cima do menino e perguntava por

que ele não está olhando para minha cara enquanto falo.


ALCIONE – Eu só fico sentada na mesa do professor.


MEMÉIA – Você já tentou ficar olhando para ele do mesmo jeito,

para ele saber como é?


VEROCA – Eu acho que você tem que ser franca, chega baixinho

no ouvido do moleque e fale com jeitinho: "Querido, continue assim

e vou mandar você ficar olhando para a perseguida da

coordenadora".


ALCIONE – Estou me sentindo totalmente perseguida! Não sei o

que fazer!


DEDEA – Por que você não vira de costas e solta um pum na cara

dele?


MEMÉIA – Ih, essa situações são horríveis. Outro dia eu bem vi o

Willian Jhonathan com a mão na virilha da Silvenete. Para ser

sincera, eu falei na virilha para pegar bem leve, mas a mão era na

perereca mesmo. Me deu um troço, um arrepio, uma coisa louca.

Eu imediatamente falei: ô filhinho quer fazer o favor de tirar a tua

mão daí? Estou errada? Eu hein, se eu não tenho isso, ela também

não vai ter.


VEROCA – E eu? Tô na sala, foi quinta-feira, tava meio de

ressaquinha e tal... Aí eu passei um dever no livro e tal. Passei


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umas continhas porque eu precisava colocar o diário em dia. E tal e

coisa. Fiquei ali de bobeira, liguei pro meu marido e de repente eu

olho pro Demerson e vejo um movimento estranho. Movimento

manual. Peraí, que eu sei muito bem que porra é essa. Fui

chegando assim calma, na malandragem. Falei bem baixinho que é

pro camarada não se aborrecer, a gente nunca sabe quem é quem,

né? Falei assim: ô malandro: vamos tirar essa mão do piru.


DEDEA – E ele?


VEROCA – Ainda teve a cara de pau de dizer: Mas professora, eu

já fiz o dever... Herodes tinha razão. Sábio e incompreendido

Herodes...


MEMÉIA – Meninas, eu tenho uma novidade. Eu consegui minha

transferência. Semana que vem começo na escola nova.


ALCIONE – Eu vou sentir muito a sua falta!


VEROCA – Parabéns! Você merece!


DEDEA – Um dia eu também vou sair daqui.


INVERNO OU A REPROVAÇÃO

QUARTO BIMESTRE


CENA 15 – O TRAJETO


DEDEA – Para chegar aqui eu pego o meu carro e piso no

acelerador. E Você vai, vai e vai naquele caminho glorioso,

perimetral, aquele futun... Linha vermelha, avenida Brasil e vai e

vai... Se distraindo vendo os fogos, vendo os tiros... E passa pelo

complexo do alemão, favela da maré, e vai... E vai se distraindo

com os acidentes, e passa Bangu 1, passa Bangu 2, passaraio,

passaraio, e vai... vai se distraindo...os cachorrinhos mortos,... Vai

pra p.q.p! Como eu não tenho ar condicionado no carro, passo um


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esfoliante no corpo e assumo a sauna. Botei um desinfetante de

eucalipto, ligo a ventilação que é o meu secador de cabelo e vou

fazendo escova... Me distraindo! Uma hora você chega na escola.

Na verdade 2 horas depois de sair de casa. Bem, que sede não? A

escola não tem água. Ah, não tem problema penso eu... Trouxe

minha garrafinha de casa. Vou pegar a garrafinha e ela ferve! Não

me faço de rogada, coloco chá de camomila. Ah, não tem

problema... Afinal nada vai me aborrecer! Passo na sala da diretora

que grita comigo porque cheguei atrasada, explico que a avenida

Brasil estava engarrafa ela fala com essas palavras: Foda-se saísse

antes de casa... Eu explico para ela que meu marido está viajando

no momento então... Pego a chamada e vou pra sala de aula. No

caminho passa um arrastão e roubam minha bolsa. Ah não tem

problema, nada vai me aborrecer. Peraí, roubar minha bolsa! Não

gostei.

Eu sou professora de Artes Cênicas. Mas ninguém sabe o que é

isso, na verdade nem eu mesma sei. Meus alunos acham que a

aula é de artes marciais. Me sinto livre distribuir umas mocas de vez

em quando. Eu digo que faz parte do meu conteúdo programático.


ALCIONE – Muito bem querida, você está se saindo muito bem!

Continue...

DEDEA – Eu dou aula pro Ringo Star. Mas não é o dos Beatles.

Esse f.d.p., é uma bicha louca pão com ovo ladrãozinho de meia

tijela, que grita no meu ouvido com aquela voz estridente.” ôôô tiiiia,

a Ricátila pegou minha caneta!", “Tia, olha a Raclínea a puxando o

meu cabelo”... E não adianta falar que “Eu não sou galinha pra ser

irmã da sua mãe”. Eu tive que dar uma beliscada com unha no

braço dele. Mas não saiu sangue. Só marcou. E eu não tive pena.

Muito pelo contrário. Achei bem feito e me aliviei.


ALCIONE – Então vamos começar a preparação para o conselho

de classe: está na hora de preparar a degola, depois é só puxar.


VEROCA – A gente tem que fechar junto. Porque não dá para

reprovar mais que aquele numerozinho bacana que os governos

divulgam da queda no índice de evasão escolar... Esse ano acho

que só dá para reprovar 10. A Meméia é que é feliz, conseguiu ir

para uma escolinha modelo. Deve estar feliz a beça.


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CENA 16 – A DEVOLUÇÃO OU A VINGANÇA SANGRENTA


ENTRA MEMÉIA, TRANSFIGURADA MÃOS ENSAGUENTADAS E

COMEÇA O NUMERO MUSICAL COM O REFRÃO DE

VINGANÇA... Lupicínio Rodrigues


Mas enquanto houver força em meu peito

Eu não quero mais nada

Só vingança, vingança, vingança aos santos clamar

Você há de rolar como as pedras

Que rolam na estrada

Sem ter nunca um cantinho de seu

Pra poder descansar


VEROCA – Meméia, o que você está fazendo aqui? Você não tinha

mudado de escola?

MEMÉIA – (MOSTRA UMA CABEÇA DEGOLADA) A filha da puta

da diretora da minha escola nova me devolveu ontem porque eu

não assinei abaixo assinado que ela pedindo que a secretária de

educação não saia do cargo!


DEDEA – Como assim, devolveu pra quem? Não entendi essa

expressão. Meméia, você perdeu a cabeça?


MEMÉIA – Quem perdeu a cabeça foi ela porque me devolveu aqui

pra essa merda.


VEROCA – Linda cabeça! Parabéns Meméia, Seja bem vinda. Você

chegou na hora certa. Estamos no conselho de classe final. Aqui

muitas cabeças vão rolar!


ALCIONE – Agora é a hora da vingança. Vou me vingar na nota.

Montei uma prova félia da pouta, daquelas que a gente dá uma


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suada pra resolver, mais da metade da sala com nota vermelha.

Desses, mais da metade não recuperou. Estou menstruando! Vou

aproveitar e fechar as médias finais. Vou menstruar nos boletins.

Nem preciso mais de atroveran. Olho para cada nota e penso:

tomou, passou. Se o aluno tomou, a minha cólica passou.


MEMÉIA – Eu quero sangue! Porque no fim, os pais entram com

recurso e a "Educação" acaba chutando esses filhos da puta pra

frente. Não somos as professoras assassinas? Vamos atacar!


VEROCA – Ao ataque!


ELAS COBREM OS ROSTOS, BLACK BLOCS. QUEBRAM TUDO,

TUDO SANGRA. OUVIMOS SIRENES POLICIAIS, LUZES DE

SIRENES, BOMBAS DE GÁS SÃO LANÇADAS. FUZILAMENTO

DE BOMBAS DE BORRACHA.


APARECEM NO FUNDO DA SALA SLIDES ONDE VEMOS AS

FICHAS DAS PROFESSORAS QUE FORAM PRESAS. NAS

FOTOS, MUITO SANGUE, HEMATOMAS, DESCABELOS MAS

SORRISO DE SATISFAÇÃO NO ROSTO DE CADA UMA.


FIM

(até agora)

09.09.2013

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Atriz Patricia Pinho- Zorra - Rede Globo

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